domingo, 17 de maio de 2009

Crônicas da Educação III


Orgulho e Preconceito

Ao chegar à sala da vice-direção, a funcionária o aborda:

- Venâncio?

- Sim?

- Esta Sra. deseja falar com você?

- Olá bom dia, em que posso ser útil?

- Bom dia! O Meu filho estuda aqui e ultimamente ele vem sofrendo com preconceito.

- Nossa!, isso é grave, quem é seu filho e a partir de quando ele vem sendo hostilizado preconceituosamente?

- Já tem bastante tempo, não é só aqui não, mas como aqui é uma escola e eu espero que o Sr não compartilhe disso...

- Com certeza, não mesmo... continue...

- Pois é, eu vim aqui para que o Sr. tome providências a respeito.

- Que tipo de preconceito? Racial?

- Não! Embora ele seja negro o Francisnetto nunca teve esse problema, graças a Deus.

- Então qual é o tipo de preconceito e quem são os autores?

- Meu filho vem sendo chamado e tratado como gay! E eu te digo...

- Venâncio!

- Sr Venâncio eu te digo: meu filho não é bicha, nós somos religiosos e em nossa família ninguém é anormal.

- Senhora, acalme-se, Matilde, busque um copo com água para esta senhora, por favor!

- Tome, beba e agora se acalme, por favor. Vamos tentar resolver esse problema. Isso, acalme-se, muito bem.

- A Sra. acha que ser gay é um problema?

- É claro que é, isso é coisa do capeta!

- Olha, vou dar minha opinião sobre o caso, é apenas uma opinião particular. Se seu filho vem sendo hostilizado e constrangido moralmente, dependendo do contexto isso é muito grave e cabe até processo judicial quando bem fundamentado. E sob esse aspecto a Sra. pode ter certeza que a Direção da Escola vai apoiá-la em todos os sentidos.

- No entanto, eu discordo da Sra. quando diz que ser homossexual é um defeito, uma anormalidade. Todos aqui na Escola e na sociedade como um todo devem ser tratados com respeito e dignidade, independente se for preto ou branco, homem ou gay, corintiano ou palmeirense.

- Não sei se seu filho é gay, e isso só interessa a ele e a quem ele quiser contar. A orientação sexual de qualquer indivíduo é singular, embora seja um processo social. Veja, cada um, em respeito às leis, tem o direito de ser magro, gordo, bonito, feio, homem, gay e por aí vai.

- Agora, eu vou te fazer uma pergunta pessoal, e a Sra. responde se quiser. A Sra. acha que seu filho é gay? Se acha, isso te incomoda?

Aos prantos, a mãe de Francisnetto responde:

- Não sei... snif, aaacho que sim, snif, snif ó meu Deus porque isso comigo?, o que fiz de errado? porque essa desgraça se abateu sobre mim?

- Acalme-se minha senhora, por favor, isso não é uma maldição, isso cabe a ele, só a ele, é singular, não sofra com isso. Até onde eu sei ele é um menino educado, carinhoso, honesto; estas sim são qualidades imprescindíveis ao ser humano.

- Mas, o que os outros vão falar, o Sr. fala assim porque não é contigo, né?

- Não, minha senhora, é do fundo do coração, se minha filha se tornar um homossexual eu não vou lamentar, o importante é ela fazer o bem para si e para outros. Acalme-se, por favor, não chore mais.

- Os meus irmãos de fé, eu percebo, eles olham torto para Francisnetto...

- Acalme-se, beba mais água, sim?, por favor, isso, isso se acalme.

E inopinadamente ela se levanta:

- Olha aqui, já vi que o Sr. não vai resolver o meu problema, eu perdi meu tempo vindo aqui, esse assunto eu vou resolver lá em casa, essa sem-vergonhice do Francisnetto, ele me paga, a hora que ele chegar em casa vai ver só...

- Não faça isso, converse com ele, mas com calma, seja compreensiva, não faça nada impen...

E antes que Venâncio terminasse sua frase, a porta da sala bate fazendo um estrondo.

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