segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O historiador, a história do Brasil e o marxismo



Palmares: A guerra dos escravos – uma resenha do clássico de Décio Freitas

Em muitas vezes a teoria marxista foi um excelente instrumental de análise. Esse, no entanto, parece não ser o caso de Décio Freitas quando escreveu o seu já clássico livro: “Palmares A Guerra dos Escravos”. Décio Freitas se vê por vezes preso nas amarras teórico-explicativas do marxismo, faz perguntas que não cabe ao seu objeto de pesquisa, tais como: Por que os escravos não conseguiram fazer a revolução social no Brasil? E responde: “A impotência da massa escrava em derrubar o sistema e se libertar coletivamente se explica pela extrema debilidade de uma classe – a classe escrava existente no interior do estamento escravo”.

Evidentemente, para não dar uma resposta que minimizasse o feito dos escravos revoltosos, se vê na complicada tarefa de enxertar na singular história brasileira, conceitos marxistas criados para estruturas sociais escravistas da Antiguidade, por si só também enxertos teóricos: “Como todas as formações sociais pré-capitalistas, o escravismo brasileiro se organizava estamentalmente antes de se organizar em classes”.

Freitas busca em Kovaliev as revoluções pré-capitalistas para introduzir nas lutas quilombolas e explicar o porquê que elas não conseguiram impor uma mudança social abrangente como, por exemplo, no caso do Haiti. É esse conceito de revolução de tipo arcaico que lhe permite afirmar que os escravos dos quilombos não fizeram a revolução social, não porque eram incapazes e sim porque as condições eram incapacitantes. A própria resposta já revela a impropriedade da pergunta. Ou seja, a uma pergunta sem cabimento, uma resposta óbvia. Assim, para que houvesse uma revolução verdadeira, precisavam mais do que contradições internas, precisavam de fatores externos.

“A impotência revolucionária marca tragicamente estas lutas. Causaram sem dúvida prejuízos e perturbações graves ao sistema, mas na verdade o deixaram intacto. Tratava-se de lutas repetitivas e sem esperança que não conseguiam subjugar e transformar a sociedade. A supressão da escravatura foi essencialmente determinada pela intervenção de um elemento externo, a saber, as pressões inglesas para cessação do tráfico, o que por sua vez originou a degradação do sistema e afinal sua morte por obsolescência”.

Assim também foi com o Haiti, precisou da influência da Revolução Francesa e o aumento da exploração, da cobiça inglesa à colônia francesa e do investimento da França na reconquista, pois só a partir dessas condições externas é que se pode trazer à luz a personagem de Dessalines e independência do Haiti.

É com o mesmo intuito de corroborar sua tese dos fatores externos, que Décio Freitas cita o caso da Roma Antiga que precisou de condições externas para que o modo de produção pudesse se transformar. O que se percebe, portanto, na obra clássica de Freitas é uma seqüência de falsos problemas. A utilização de um paradigma estranho ao objeto e, em outras palavras, a dedução histórica a partir de um modelo criado para entender outras sociedades.

Seria muito mais interessante se Décio não se prendesse a perguntas que fogem do contexto específico da história social do Brasil, tais como, se houve ou não uma revolução na mudança de trabalho escravo para trabalho assalariado, bastava a ele descrever esse processo, coisa que ele faz, mas com desvios e filtros estranhos a matéria de documentos que tem a mão. A inadequação das perguntas e hipóteses de pesquisa o força a achatar os fatos para que estes se adequem a teoria, infelizmente. Contudo, trata-se ainda hoje de uma das melhores referências para se conhecer a história dos Palmares.




Zumbi entre o mito e a história – o indulto do mito

Com relação ao mito na história de Zumbi, há algumas críticas sobre as tentativas de construção histórica da vida de Zumbi, a meu ver, um tanto que exageradas, apesar de se basearem quase sempre na alegação legítima de que a escassez de fontes impossibilita em termos científicos o resgate histórico de um dos mais famosos líderes dos Palmares. Mas o que faz o historiador nesta situação? Se resigna e fica em silêncio? Ou trabalha na perspectiva dos vestígios e reconstitui o que deles puder?

Eu diria, usando a mesma justificativa em que se baseiam as críticas, que é por serem escassos os documentos da vida de um líder militar importante na história final de Palmares é que se explica, às vezes os exageros e as extrapolações que, sem base científica, produz o mito.

Ora, é justamente a falta de registros que permite o preenchimento das lacunas com explicações imaginárias, o que não aconteceria se fosse o contrário, a não ser em termos de ideologia, para se justificar um governo, um poder; como no caso de Tiradentes.

Vejamos, nada justifica o mito criado em torno de um dos possíveis protagonistas da suposta Conjuração que nem sequer chegou a existir, mesmo com um volume muito maior de documentação a figura do alferes deixou de ser um simples condenado da Colônia Imperial portuguesa para ser o herói do novo regime republicano, bastante lógico do ponto de vista ideológico, mas injustificável quando reforçado por historiadores posteriormente.

Já história de Zumbi se baseia em raríssimos fatos verificáveis, é por isso, que o mito graceja para encobrir as lacunas que os documentos são incapazes de preencher como perguntas do tipo: onde nasceu? Qual sua genealogia? Quem o criou e educou? Entre os mitos criados na história do Brasil, talvez seja o que mais merece o perdão dos historiadores, pois não há fontes até o momento para se criar uma reconstituição que retire ou que possa sobrepor aos contornos e emendas mitológicas.

No que diz respeito a tentativa de recuperação histórica de Zumbi no clássico de Décio Freitas: “Palmares: a guerra dos escravos”, acho que o autor foi muito feliz justamente, porque foi muito precavido e não caiu na tentação de extrapolação imaginativa e dedutiva quando as fontes assim não o permitiam, mas também não se furtou em conjecturas e opiniões com base nos registros, desta forma, usou com maestria termos como “é possível”, “é mais provável” para explicitar no limite de sua documentação a história de Zumbi com menos lacunas possíveis.

Freitas soube também enfrentar e refutar a idéia de que o nome zumbi fosse uma designação africana a líderes guerreiros de maneira bastante convincente, pois as evidências mostravam, sem sombra de dúvida, que, de pelo menos 1676 a 1695 as referências a um certo capitão de guerra dos negros em Palmares se referia indubitavelmente a uma pessoa, a um líder, enfim, o único a quem para história ficou conhecido por Zumbi.

13 comentários:

Thiago disse...

Olá, gostei do post. Eu concordo que a uso da teoria marxista pode ser um ótimo instrumental de análise, mas também acho que no Brasil, esse tipo de analise é a regra. Me parece que a academia está tão absorvida nessa mentalidade que não produz outros tipos de análises. É uma pena, porque as perguntas e os pardigmas se repetem trabalho após trabalho e não conseguimos observar a nossa história com uma visão mais "fresca". A realidade é por demais complexa para se encaixar num molde teórico, qualquer que seja.

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