quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Ilha das Flores - Jorge Furtado



Ilha das Flores é sem dúvida um dos melhores curtas brasileiros, embora, como toda obra, esteja datado, ainda consegue transpor as barreiras do tempo e continua muito relevante, principalmente para as aulas de história, para que não seja como aquela a que o filme se remete.

As famílias brasileiras mudaram, não é mais preciso homem e mulher concomitantemente para formar um núcleo familiar (ainda bem), mas a pobreza (muito mais) e a miséria continuam e o lixo é um problema ainda muito mais grave hoje em dia.

No entanto, o que mais chama atenção no filme é sua narrativa didática e envolvente que consegue desnudar as contradições do capitalismo, como o consumismo de um lado e a miséria de outro. O filme nos leva ao limite extremo do absurdo da monetarização da vida: que chega a rebaixar um ser humano "o mamífero bípede, com telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor" a um posição inferior ao do porco, isto porque os seres humanos na ocasião são livres e sem dono, ao contrário do porco.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Adeus, Lenin... Adeus a nós!



Recentemente assiti ao filme: Adeus, Lenin. Fiquei impressionado por vários motivos, o principal foi talvez a crítica sutil que faz a este mundo consumista e sem sentido em que vivemos, e que engoliu todos os outros mundos possiveis, talvez.

Até mesmo aquele mundo patético a que alguns novos e velhos liberais insistem em chamar de comunismo. Mundo aquele criado sobre formalidades triviais, excessivamente regrado e previsível, mas que era o porto seguro, e por certo uma segurança bastante confortável quando comparado com a imprevisibilidade deste nosso mundo.

O mundo do out door da coca-cola (símbolo da abertura econômica) que quase coloca tudo a perder, e na verdade coloca tudo a perder, pois a partir dali nada é mais certo, a segurança burocrática da rotina tediosa sede lugar ao "todos contra todos" e ao "tudo ao mesmo tempo agora".

Talvez seja um filme nostálgico, se centrarmos na personagem que desperta do coma, mas não seria o caso de sentirmos um pouco de nostalgia estando confinados num mundo sem lugar, deslocado constantemente, em que sentimentos inconstantes se confundem até ceder espaço à frieza e ao medo do outro, e de nós mesmos?

Apenas algumas palavras de ocasião... apenas


Apenas...

Quando eu me vi depois
Tive medo de você
De voltar a te ver
De voltar a me ver assim

Não sei onde vou,
Não sei o que deixei
Mas sei que estou
Mudado depois que te vi

Depois que senti você
Depois que senti você
O mundo está estranho
Mais estranho do que era

Continuo o esquisito
O motivo das risadas,
Mas parece que já não ligo
Não tenho medo de tentar ser eu

Mas quem sou eu?
Este eu, eu tentei esconder de mim
Por tanto tempo, para agradar os outros
Ou melhor, não desagradar, tanto

Então o que eu sou, não fui
Para não desagradar os outros
Que eu detestava
E que eu nem ligava?

Eu sou o eu
Que tentei esconder dos outros
Eu sou o eu que vi nos seus olhos
Que não me reprovaram quando me viu

E o que era não faz mais sentido
Os meus planos e sonhos
Hoje já não fazem sentido
Eu não sei mais como

Te dizer isso é necessário
Mas muito difícil
Embora seja o que desejo
E o que preciso

Preciso? Não sei
Acho que estar com você é suficiente
Nada mais é necessário
Você não precisa saber, e eu preciso viver...
Apenas!

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Crônica e vídeo: a Telê Santana, quem melhor sintetizou a arte e o futebol




Em menino eu vi, em homem eu me recordo...

O menino é o pai do homem
Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas

Em 1982 eu estava com 6 anos incompletos, sabia de cor a escalação da seleção brasileira, morava com meus avós numa casa enorme em Quirinópolis, Goiás, cujo número era 82. Esta cena sempre esteve em minha memória.

Lembro também da casa cheia de gente assistindo aos jogos da Seleção na Copa da Espanha. Eu no alpendre (vá explicar o que é isso para um menino hoje) chutando uma bola de meia (não que não tivesse bola, mas é que a de meia não fazia barulho e não atrapalhava os torcedores da sala...) enquanto meu tio e seus convidados assistiam aos jogos. 

Nunca entendi certo dia, quando todos saíram tristes sem ao menos quase se despedir de mim, do Juninho, e nunca mais voltaram... Logo depois daquela algazarra que fizeram 2 ou 3 dias antes, quando venceram um time de listras azuis e brancas, em que um baixinho cabeludo saiu chorando (hoje em dia eu sei, era simplesmente... Maradona o mais que Pelé, para os argentinos) para logo depois Zico e companhia continuar o show, que fechou com um gol do meu xará: Junior que até dançou uma dança que para mim soava estranha, embora, quando eu perguntei, me falaram que era samba, dança típica do Brasil, eu pensei: que estranho já ouvi falar, mas nunca tinha visto

(Hoje eu sei que a indústria cultural tenta homogeneizar certas manifestações culturais locais para o resto do país, a tal construção da identidade nacional, tão útil para a consolidação dos poderes instituídos, principalmente, para uma Ditadura que já naquele tempo, visto de hoje é claro, dava seus últimos suspiros).

Hoje eu também sei que aquela cena que guardo alguns fragmentos em minha memória, e que muitos só foram tornar-se inteligíveis anos depois, era nada mais nada menos que a nossa segunda maior tragédia cultural (pois para o bem o para o mal, o futebol é nossa maior expressão cultural), a primeira foi, sem dúvida a do maracanazo de 1950. Esta, a que me recordo, tratava-se da fatídica tarde no Sarriá em que a seleção de Telê perdeu para Itália de Paolo Rossi.

Depois disso, tantas águas rolaram, [quantas mulheres] (nem tanto assim, eu confesso) me amaram bem mais e melhor que você (será?), mas aquela seleção ficou marcada como a última representante do futebol arte que sucumbiu diante do pragmatismo e da força do futebol cientifico e europeu, representado pela Itália.

Isso, já na década de 80, não era nem um pouco novo, 1954 quando a Seleção perdeu para Hungria, era a mesma ladainha. Como às vésperas, 1958, de jogar com a URSS, já se dizia isso também. Mas acontece que em 1982, já havia aparecido Pelé e Garrincha, já éramos tri campeão mundiais, já não éramos, segundo Nelson Rodrigues, vira-latas.

O que se viu por décadas a fio, foi aquele velho debate, que de tão recorrente se tornou maçante, entre os defensores do futebol arte contra os do futebol moderno, eficiente. Felizmente, acho que superamos isso.

Felizmente, porque a questão era quase sempre colocada de forma equivocada. Não há uma clara distinção entre arte e eficiência, a arte pode ser eficiente aos objetivos a que se colocou ou também aos que não se colocou, pois a manifestação artística não termina com a pincelada final do artista, e sim com a recepção do público, dos consumidores, com a impressão causada a estes... aliás, a arte nunca termina, ela perdura, o perdurar é uma característica de qualquer arte, mesma a da nossa época de reprodutibilidade técnica, que perdeu a sua áurea na lama do capitalismo.

Por outro lado, a arte perdura independente de seu sucesso, seja ele comercial ou profissional (que dá no mesmo hoje em dia). Aquela seleção representa o Brasil, representa o Brasil exatamente porque perdeu. Se tivesse ganhado entraria para hall da fama das conquistas brasileiras, perderia sua áurea, embora não deixaria de ser arte. Para mim está claro, a arte não é só virtuose, nesse quesito as seleções de 1958, com Pelé, Garrincha e Cia. e a de 1970, com Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Gérson... estariam até mesmo, em melhor posição que a de 1982, esta, porém, é mais representativa dos muitos sentimentos compartilhados por nós brasileiros. E isto é também arte: um fragmento que expressa um todo de forma clarividente e especial.

Sou capaz de apostar: se o Brasil fosse campeão mundial em 1982 (claro né, ninguém conseguiria ganhar esta aposta), aquela seleção não seria tão cultuada, como é hoje. Quando falamos de futebol bem jogado, eticamente bem jogado vemos Telê, Zico, Sócrates, Falcão e companhia, que não renunciou ao seu estilo em troca de uma simples vitória (que como a de 1970 seria usada para fins escusos, quem sabe até daria uma sobrevida a Ditadura, que já estava, como sabemos hoje, na UTI; até dessa lama a Seleção de 1982 escapou). 

Tudo bem, muito bonito, mas o Brasil não ganhou a Copa. Que se dane! Azar da Copa, diria Calazans.

Esta frase sintetiza perfeitamente a minha recordação pueril que embala meu sentimento, que por sua vez, me faz rejeitar as racionalidades pragmáticas dos futebolismos atuais. 

Mas, melhor do que este singelo texto são as cenas, e a narrativa final de Luciano do Valle no vídeo acima.
E tantas lágrimas rolaram, quantas...

terça-feira, 26 de julho de 2011

Política: violência e persuasão (ou violência sutil)


A política se manifesta em diferentes modalidades de violência, como tipos específicos de força. Assim, ao mesmo tempo em que existe para suprimir a violência, se faz enquanto persuasão, pois procura ocultar a violência exercida.
Como ocultamento da violência, a política é um agir em concerto com alguns que a exerce sobre outros que a sofre. Quem age, exerce o poder em correlação com seus pares. Assim procura induzir, conduzir, instigar, convencer, coagir, provocar, ordenar, dominar, obrigar, representar, governar... em conjunto com aqueles que a exerce e contra aqueles que, no momento, a sofre.
Nesse sentido a política também é um tipo específico de violência, ou melhor, que cada agir político, em sua especificidade, expressa ou representa modalidades de violência, abrangendo um amplo espectro de matizes, que vai da mais singela a mais complexa, da mais inócua a mais cruel, da mais justa e suportável a mais iníqua e insustentável.
Sendo assim, o limite da política é a própria vida, “um senhor deixaria de ser senhor se matasse o seu último escravo”, a violência nunca pode ultrapassar o limite da vida na qual ela é exercida, a violência em seu grau máximo, que liquida o outro, liquida também o exercício de poder, portanto, a própria política. A aproximação com seu auge é, ao mesmo tempo, o princípio de seu fim. Toda política é força, mesmo que disfarçada, mas o exagero da força prenuncia seu fim, por isso, seu uso deve ser moderado, controlado, canalizado para a política perdurar.
É por isso também que alguns dizem que a política acaba quando se usa a força ou a violência. Não, ela continua política, apenas utiliza os recursos da violência que são considerados últimos, mas que são últimos apenas quando deixam de estar sob um controle estrito, correlacionado e respaldado pelo jogo de forças que o erigiu. Em suma, a violência só é um último recurso quando não é mais utilizado em concerto com os pares que sustenta os poderes da política instituída.
A política é um exercício de poder, e se concretiza como a percebemos, quando ao surgir consegue negar sua origem bélica. A política surge, aparentemente, para findar a violência, a guerra que a provocou enquanto ação. É com este intuito que ela se faz política, e neste ocultamento está sua legitimação. Ela procura limpar o sangue que a criou, para que como poder  agora estabelecido em concerto, não se use mais a força que a instituiu, isto é, a violência que a gerou contra ela mesma.
Deste ponto em diante, não se quer mais violência, só persuasão.  A violência deixa, aparentemente, de fazer parte das regras do jogo, somente a arte ou a técnica do convencimento torna-se legítimo. Porém, ao encobrir a violência que a gerou, a política passa a exercer um outro tipo de violência mais sutil, mas nem por isso, menos eficaz. Desta forma, mesmo quando se passa por exercício pacífico de vontade, ainda continua sendo uma modalidade de violência.
Isso, porém, não iguala todas as formas de fazer política, a violência mais sutil é sempre preferível a mais crua, contanto, que não nos esqueçamos de que ainda é uma violência, pois do contrário, esquecendo-se disso, a violência sutil pode ser mais perniciosa, por ser mais atenuante e mais entorpecente. Portanto, há uma ambiguidade na democracia, ela é mais preferível para opressores e oprimidos.
Portanto, a política é violência explícita ou violência e persuasão, quando a violência é ocultada ou está latente. Assim, quando a política tenta ser só persuasão não deixa de ser também violência, mesmo que sutilmente. Em última instância, política é, sobretudo, violência.

domingo, 24 de julho de 2011

Notícias do novo Milênio!


Todo final (ou início) de século é a mesma história.
Borbulham “profetas embriagados” praguejando o futuro.
2012 não é novo, já aconteceram vários 2012.
Os maias, que não previram nada (acho que estavam cansados de fazer calendário e pararam em 21 do 12 de dois mil e 12, eles gostavam de 12 só isso, ou é apenas um final de ciclo, nada mais que isso) eles não são os únicos a entrarem na conta de videntes da vez.
O ano 1000, o ano 2000, os egípcios, Nostradamus, quantos em quantas épocas não caíram na tentação de profetizar?
Quantos não foram, pelo menos uma única vez, um apóstolo João à beira da morte sonhando acordado, em uma esquina qualquer de qualquer cidade?
Profetizar é portar a verdade que ainda ninguém vê, é consolar os presentes com um futuro melhor.
É vingar o sofrimento de agora com a promessa de um amanhã melhor.
É amaldiçoar os poderosos dizendo que sua vez irá chegar, confortando assim, os fracos da vez.
É atenuar o sofrimento, como o sonho atenua a realidade, como sono atenua o cansaço, como um regaço atenua o desânimo ou ânimo, como a morte atenua a vida.
É se entorpecer de sonho, delírio... em uma realidade cada vez mais hostil.
A vida é feita de morte, como a morte é feita de vida. O desejo de viver equivale ao medo de morrer.
Nós ocidentais nunca entendemos muito bem isso.

Os vaticínios, ao longo da história, quase sempre, estiveram ligados ao predomínio de situações calamitosas, de insegurança ou de grandes incertezas, incertezas estas que parecem ser características fundamentais deste novo milênio.
Mas, a ideia que me chamou atenção nos últimos dias é que se alguém tivesse me dito no final dos anos 80:
· que os Estados Unidos seriam humilhados “em sua própria casa” depois que tivesse alcançado (com o fim da Guerra Fria) o status de única grande potência mundial por grupos militantes que a própria CIA patrocinou para lutarem contra a ex-URSS;
· que o Brasil passaria a ser credor do FMI, que a dívida externa brasileira (o grande algoz econômico brasileiro por décadas a fio) ficaria reduzida a uma proporção insignificante do PIB (o que possibilitou a propaganda governamental de que o Brasil a tinha quitado);
·  que os Estados Unidos ameaçariam a não pagar os seus credores;
· que a Venezuela (antigo saco de pancadas sul-americano) chegaria na semifinal da Copa América de 2011 (e que não foi mais longe só porque o futebol continua injusto como antes), definitivamente, eu não acreditaria.

Parece que realmente este é sinal dos tempos.
Mas, bem diferente das previsões que, invariavelmente, são deduções a partir do curso predominante da história. Por isso são críveis, pois tais deduções catastróficas partem do real e extrapolam os indícios ruins, os males que já nos afligem, porém em graus ainda insignificantes ou não alarmantes.
A sutileza da história não pode ser capitada por antecipação (pelo menos não até o momento, ou pelo menos não que eu saiba), pode ser sim percebida por reflexão a posteriori, como os 3 acontecimentos supracitados (o 4º foi para descontrair), estes fazem parte da ironia da história, aquilo que escapa ao seu curso predominante, o que Hegel, querendo abarcar tudo com seu idealismo, chamou de “ardil da razão”.
Entretanto, (como não sou tão racionalista quanto Hegel) se eu trombar com algum profeta nesta esquinas da vida, vou parar e ouvi-lo com muita atenção.
Sem ironia.
Pois quem me explica aqueles buracos redondos na Guatemala?
Heim? 
Tem alguma autoridade científica por aí?
Heim? 
Tem?
Quem?
 

sábado, 16 de julho de 2011

New Deal, Keynes e a Crise de 1929


O enredo de uma catástrofe – discurso introdutório

É inegável a importância das ideias de Keynes para teoria econômica do século XX. Muito do que aconteceu entre o fim da Segunda Guerra Mundial até pelo menos o começo da crise do petróleo, em matéria de políticas econômicas estatais, deve-se ao princípio keynesiano de gastos públicos. Tanto os países do grupo dos desenvolvidos, quanto boa parte dos países que à época compunham o grupo do chamado Terceiro Mundo, com suas políticas desenvolvimentistas, executavam cada um a seu modo, a “cartilha” keynesiana. Keynes prescrevia o aumento dos gastos públicos via empréstimos, segundo ele, mais eficazes e preferíveis aos gastos financiados pela tributação (pois esta retirava aquilo que já tenderia a ser utilizado no consumo) com o objetivo claro de alcançar o estágio de pleno emprego.

Nesta premissa, estava clara a crítica de Keynes ao liberalismo clássico representado ainda, em grande parte pela Lei de Say. Mas também havia uma crítica à neutralidade da moeda; das ideias de Keynes depreende-se que a injeção ou retenção do volume de moeda lançada no mercado nem sempre tem efeito sobre a taxa de juros e que, portanto, em casos graves de recessão ou mesmo depressão, não surtiria nenhum efeito na criação de demanda. 

Para Keynes, a moeda não era neutra, e como corolário, nem toda oferta criava sua demanda, pois havia sempre a possibilidade de vazamentos. Em momentos de crise, enfatizava ele, as pessoas com expectativa negativa tenderiam a preferir a liquidez. Em outras situações em que houvesse a expectativa de aumento de juros, os indivíduos optariam a não gastar sua renda, ou pelo menos, parte dela, para poupar e poder consumir futuramente em condições melhores, em que estariam somados os juros à renda poupada.
Assim, ter-se-ia um desaquecimento do consumo e, por seu lado, o empresário vendo tal cenário desanimador, mesmo com recursos a disposição (aumento no volume de poupança devido aos juros altos) tenderia a conter os investimentos, que por seu turno afetaria a criação de empregos futuros e poderia iniciar um círculo vicioso sem solução automática pelo mercado. Mas, pela lei do equilíbrio automático de mercado de Say não havia solução a este problema, simplesmente porque este problema não existia dentro da lógica neoclássica.

É neste ponto que entra um fato importante que vai destruir esta lógica e atordoar até mesmos os neoclássicos menos ortodoxos: a realidade em seu auge avassalador encenado no seu mais alto grau de dramaticidade no dia 24 de outubro de 1929, a chamada quinta-feira negra que deu início a Crise de 1929, uma das maiores tragédias da história contemporânea, excetuando-se as guerras, é talvez de longe a maior de todas. 

Podemos até imaginar economistas correndo de um lado para outro, desesperados, refazendos cálculos, abrindo e fechando livros, perguntando “por quê?” “Por quê?” “Ó Mercado, por que me abandonaste?” Mas podemos imaginar outro grupo de economistas rindo à toa, um sorriso bem vermelho, diga-se de passagem. E ainda podemos vislumbrar outros, menos afeitos aos dogmatismos e mais preparados para soluções heterodoxas. Neste grupo, certamente estava Keynes, que talvez fosse quem melhor aproveitou as chances de sua época e soube como ninguém traduzir as causas dos problemas e prescrever os melhores remédios para salvar o sistema; claro, não nos esqueçamos, ao contrário de alguns que riam compulsivamente das desgraças subconsumistas ocidentais, Keynes queria salvar o capitalismo. Nessa perspectiva, a relação entre as ideias de Keynes e a Crise de 1929 e suas consequências, talvez seja uma boa chave de análise do pensamento keynesiano.

Abordar a relação entre Keynes e sua época marcada pela crise de 1929, que ele tão bem desvendou e compreendeu, nos fará entender melhor suas contribuições, em grande parte, compostas de soluções encontradas por ele para combater a crise. Além disso, poderemos mensurar melhor o que a experiência da Crise lhe proporcionou em termos de desafios e o que ele, Keynes, por sua vez contribui em termos de resoluções. Enfim, o objetivo desta proposição temática é elucidar melhor as contribuições keynesianas na reformulação das políticas liberais do século XX, que a nosso ver, se constituíram como repostas aos desafios impostos pela Crise de 1929.


Em Resposta à Crise de 1929: New Deal e “Teoria de Geral...” de Keynes

Quando lemos ou ouvimos falar de New Deal, o nome de Keynes mais cedo ou mais tarde também aparece. A questão que levantaremos é, qual seria a real contribuição de Keynes na resolução da crise capitalista da década de 1920? A razão de colocarmos esta questão se desdobra em dois motivos principais: o primeiro estabelecer o mais claramente possível a relação entre Keynes e sua época; segundo, cumprir o principal objetivo desse trabalho que é descrever as contribuições keynesianas. 

Evidentemente, entendemos que suas contribuições serão mais bem explicitadas se estiverem apoiadas nos acontecimentos que as motivaram, ou seja, os problemas que se apresentavam a Keynes e a todos os mortais dos países capitalistas no período.

Dito isso, partiremos da seguinte constatação: o New Deal antecede a principal obra de Keynes: a “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, o que isso pode significar? Que a contribuição de Keynes ao pacto criado por Franklin. D. Roosevelt é supervalorizada? Ou que é importante levarmos em conta as ideias de Keynes que ainda não tinham sido concretizadas em livro, mas que já circulavam entre seus alunos e interlocutores de forma geral, além de artigos que ele escrevia e, talvez, principalmente, a sua obra que antecedeu a “Teoria Geral”, a “Treatise on Money” de 1930?

Ficaremos com a segunda hipótese, mas teremos que enfrentar alguns problemas: não dispomos de tempo e nem das principais fontes que propiciaria esta pesquisa, pois teríamos que avaliar quanto na obra que antecede a “Teoria Geral” e nos possíveis artigos anteriores ao New Deal já estariam implícitos ou explícitos as ideias keynesianas que contestavam a crença na mão invisível do mercado, a crítica à neutralidade da moeda e a tese de um Estado intervencionista para criar demandas.

Adotaremos então a seguinte tática: lançaremos mão de alguns comentadores que, apesar de terem outros objetivos em vista, serão úteis ao nosso propósito: de confirmar a nossa hipótese inicial, que pode ser assim melhor formulada:

• A de que Keynes contribuiu para a elaboração do New Deal de forma indireta, através da “escola” que se formou em volta dele e não através de sua principal obra que só veio a sair do “forno” em 1936.

Seguindo o caminho aberto por nossa problematização, chegamos a um ponto esclarecedor que confirma a participação de interlocutores de Keynes no governo de Franklin D. Roosevelt. Este ponto se encontra numa passagem do livro de Galbraith, importante economista canadense e assessor econômico de diversos presidentes dos Estados Unidos, inclusive, Franklin Delano Roosevelt, à época do New Deal. Em seu livro de memória, traduzido no Brasil com o título: “Contando Vantagem” ele escreve:

"Lauchlin Currie, meu colega canadense, economista brilhante e um antigo discípulo de John Maynard Keynes, cuja obra de certo modo antecipara [sic], foi o primeiro assim chamado consultor econômico destacado para a Casa Branca. Em certa ocasião sobre a qual me contou mais tarde, foi chamado a Warm Springs para atualizar o presidente quanto à perspectiva econômica e a ação necessária, mas só pôde fazê-lo no trem de volta a Washington. Havia trazido documentos e tabelas, os quais enfileirou diante do presidente. Após um relance em cada um, Roosevelt voltou-se em silêncio para a janela". (GALBRAITH. Contando Vantagem, pp. 22-3).

O relato continua, mas para os nossos objetivos é suficiente, pois constata que havia pelo menos um economista keynesiano, “discípulo”, nas palavras de Galbraith, assessorando o presidente Roosevelt na implantação dos vários planos de intervenção em que se constituiu o New Deal. Mas, o que seria uma evidência de que as ideias posteriormente atribuídas originalmente a Keynes teriam, sim, feito parte da elaboração do novo acordo econômico nos EUA, se tornou um inconveniente à nossa hipótese inicial. 

Segundo o relato de Galbraith, seu colega Currie teria antecipado a obra de Keynes, pois veja: ”discípulo de Keynes, cuja obra de certo modo antecipara”, se não for erro de tradução, Galbraith está, no mínimo, sugerindo que as ideias atribuídas a Keynes já estavam em circulação antes dele elaborá-las em sua obra principal em 1936. E mais, estaria Galbraith querendo dizer que um discípulo de Keynes antecipou sua obra com a prática histórica efetiva, em sua assessoria ao presidente Roosevelt? Que ele, o discípulo, realizou as ideias keynesianas antes de Keynes a publicá-las?

Assim, na primeira tentativa de confirmarmos a influência indireta de Keynes sobre a formulação do New Deal, já nos vimos obrigados a fazer algumas ressalvas a nossa hipótese inicial:

• A de que as ideias atribuídas posteriormente a Keynes já estavam circulando na atmosfera político-econômica do período, talvez, para além do próprio ambiente que cercava Keynes;

• E que, talvez, Keynes tenha tão somente, o que não é pouco, mas evidentemente menor do que pensávamos, sintetizado e melhor respondido aos problemas de sua época já num momento em que os EUA fazia nítidos progressos de superação da crise.

Sob este novo aspecto, o problema da relação entre Keynes e o New Deal nos parece mais adequado. Pelo menos é o que nos leva a entender a passagem da introdução da “Teoria Geral” de Keynes que foi publicada no Brasil:

"A sua primeira tentativa de superar a teoria clássica [neoclássicos] resulta na publicação de A Treatise on Money em 1930. Infelizmente foi uma tentativa frustrada. Ainda que não tenha encontrado uma explicação analítica para o problema do desemprego, nesse livro Keynes reafirma seu prestígio profissional como conhecedor dos intrincados problemas monetários da economia capitalista". (KEYNES. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. pp. 9-10.).

Adroaldo Moura, na introdução à “Teoria Geral”, revela que as avaliações críticas que Keynes recebeu acerca desta obra foram importantes na formulação de suas teses seguintes: “Essas avaliações críticas imediatamente induzem Keynes a tentar uma nova explicação. Do trabalho que se segue entre 1930 e 1935, resulta a publicação da Teoria Geral em 1936”. (Ibidem. p. 10). O que reforça a nossa nova hipótese, de que as ideias basilares do New Deal que aparecerão mais claramente formuladas na “Teoria Geral” já estavam circulando nos grandes centros de saber, como Cambridge, universidade que Keynes estava vinculado.

Isso, pelo menos em princípio, nos propõe uma questão filosófica de fundo: as ideias não têm dono, isto é, as ideias e teorias constituem partes de discursos difusos que atravessam vários e diferentes interlocutores e que, só posteriormente, já na produção de uma síntese sobre os acontecimentos passados e na tentativa de explicá-los, é que arbitrariamente se atribuem autores às ideias que traduziram melhor determinado momento histórico. Foi isso que talvez tenha ocorrido com Keynes que ficou para posteridade como criador intelectual do New Deal.

Portanto, com certa razoabilidade podemos afirmar que Keynes não é o “autor” do New Deal, este foi uma obra coletiva, cuja participação de alguns autores é conhecida, como a de Franklin Delano Roosevelt e de Galbraith, a outra parte, a grande maioria, é composta de anônimos que foram responsáveis pela elaboração, efetivação e fiscalização dos planos de intervenção na economia estadunidense que culminou com sua posterior recuperação. Keynes foi um importante interlocutor das ideias que tomariam forma mais claras em 1936, na “Teoria Geral”, que se constitui a melhor tradução dos problemas de sua época.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sobre a humildade cretina e a sapiência ingênua


Começo pela segunda: há pessoas que se notabilizam por parecer aos demais que os cercam, seja num boteco, numa aula de faculdade ou numa padaria, terem domínios sobre todos os conhecimentos possíveis e imagináveis.
Falam com desenvoltura sobre tudo e todos, receitam remédios, indicam livros, opinam sobre o pôr do sol, as ondas do mar, o índice de inflação, o PIB, etc.
Alguns destes, quando perdemos nosso precioso tempo a observá-los, nos parecem simples diletantes promovendo seus conhecimentos superficiais e rasteiros.
Aí é que vemos a falta que faz programas do tipo Show do Milhão, lugares privilegiados dos pernósticos solitários que se sentem deslocados ou mesmo rejeitados pela sociedade “inculta”.
Mas há outros tipos de sabedoria idiota, há aqueles que se esforçam para parecerem úteis e prestativos, cuja presença revelam um grau de sinceridade em suas intervenções, claro que também demonstram ter uma boa dose de ingenuidade, pensando saber mais do que de fato sabem.
Estes últimos, os ingênuos, são perdoáveis, merecem nosso indulto.
Os outros nem tanto, pois negam o que de mais relevante há nas posturas sábias: o silêncio, o calar-se.
Já dizia Paulo Freire que o único pré-requisito para o aprendizado, é confessar-se ignorante, quanto mais profundo é o nosso conhecimento, mais restrito também o é, quanto mais sabemos mais nos conscientizamos de nossa ignorância.
Sócrates, tido como sábio, dizia segundo Platão: “Só sei que nada sei”, muita gente toma esta frase como se significasse um rompante de humildade, nada mais equivocado, pelo contrário.
Com isso, Sócrates queria dizer que ele tinha consciência de que nada ou pouco sabia, e será que os outros teriam esta consciência?, ou seja, os outros sabiam que nada sabiam?
No fundo, o que ele requisitava era um conhecimento prévio de si mesmo diante do mundo, consequentemente, um conhecimento propedêutico para a compreensão do mundo.
Este conhecimento, o da nossa própria ignorância, talvez seja a base para uma postura sábia.
Nietzsche, um opositor empedernido da tradição socrática, disse que Sócrates inventou a maiêutica, a arte do diálogo, do interrogar-se a si e ao outro num confronto de ideias para se alcançar um conhecimento consensual sobre os homens e o mundo, porque realmente nada sabia.
De qualquer forma, podemos supor que Nietzsche estaria de acordo a respeito de que o  ato de perguntar, na maioria das vezes, é mais sábio se comparado a atitude de quem a  tudo responde, ou a de  quem tem sempre resposta para tudo.
Precisamos tentar sair do mero ato de opinar, pois isso nos leva a debates intermináveis e estéries.
E também saber a sábia hora de se calar, enfim, evitar dizer bobagens.
Por outro lado, devemos dedicar mais tempo ao estudo dos fatos, das filosofias e só depois desse primeiro passo rumo ao conhecimento dos outros, das ideias alheias, aí assim, emitir algum juízo posterior minimamente fundamentado.
Rezo todos os dias por mais juízo de fatos e menos juízos de valores.
Não quero com isso afirmar que a separação perfeita entre um tipo e outro seja possível, mas discordar antes de conhecer nos revela no mínimo uma postura arrogante e preconceituosa, nada mais distante da sabedoria.
Seguindo a linha de Nietzsche, chegaremos ao outro extremo: o humilde cretino, que se faz de humilde para parecer uma sapiência que também não tem.
Talvez fosse isso que Nietzsche pensasse sobre Sócrates, talvez.
O humilde cretino, personagem tão corriqueiro nos ambientes de trabalho, lazer e escola é aquele que sempre tenta relativizar as coisas ou se esquivar de questões mais polêmicas.
Estes são terríveis para quaisquer debates, pois, por vezes, tentam conciliar coisas inconciliáveis, confundem confronto de ideias com ofensas, críticas com maledicências e por aí vai.
Como se o ato de contestar ideias fosse uma grande contravenção, uma falta de etiqueta ou no mínimo uma deselegância, geralmente tendem a concordar com tudo, e acabam por isso no outro extremo.
Ou seja, este tipo de pessoa na tentativa de relativizar os conceitos, as consequências, causas e efeitos, procuram se apegar em opiniões supostamente universais, grandes guarda-chuvas que pretendem abarcar todas as outras opiniões, evitando, supostamente assim, o descontentamento das partes.
Eles procuram fazer sínteses completamente ecléticas e descabidas buscando não desagradar os discursantes.
Nesse caso, o debate também não avança, fica nebuloso e contraproducente.
Enfim, em nosso cotidiano, muito frequentemente entramos em contato com uma cornucópia de tipos sociais que vão desde o humilde cretino até o sábio ingênuo e seus infinitos derivados. E quase sempre sentimos um misto de indignação e pena, pois afinal, desejar ardentemente esconder ou disfarçar a nossa imensa ignorância não deixa de ser algo meio patológico.

domingo, 24 de abril de 2011

O que enjoa é o óbvio

Me diga onde fica o óbvio

Diga-me, pois eu irei para o outro lado

Se você gosta do óbvio,

Eu quero gostar de outra coisa

Eu quero outra coisa que ninguém viu

Mesmo que seja aquilo que você gosta

Eu quero gostar de outra coisa naquilo que você gosta

Não me diga para fazer o mesmo

Isso é me torturar, e para essa tortura não tem anistia

Se você quer sair, ir ao mesmo lugar de antes

Tudo bem, mas não venha com a mesma cara

Com as mesmas ideias

Por favor, não cante aquela mesma música

Nem fale que me ama do mesmo jeito

Aliás pare de me amar

Isso enjoa



É angustiante viver com náusea,

Mas prefiro a angústia à estagnação e à estabilidade

Dê-me o mundo de Maquiavel e não o do Leviatã de Hobbes

Eu quero a respiração ofegante do dia-a-dia

E não a monotonia do sono sem sonho, sem pesadelo



Eu sinto náusea por tudo que já gostei demais

Gostei demais,

além da conta,

chega,

não gosto mais,

não quero mais,

não posso mais.



O desagradável não dá enjôo, irrita em princípio,

Mas é chato apenas, e o que é chato a gente ignora, não sente náusea,

A náusea é outra coisa, é ânsia de expurgar o que está dentro, se esvaziar

Assim como é ânsia de outra coisa que não se tem, que só se deseja

O que é demais é que causa náusea

Não sentimos enjôo do que não gostamos e sim do que gostamos em demasia



Por isso quero fugir daquilo que seria o óbvio

Quero evitar o óbvio, a decisão fácil, a mais provável

Me diga onde está o óbvio que eu vou para outro lado

Parece um contrassenso dizer que quer evitar o óbvio, pois isso parece muito óbvio

Até nisso o óbvio me persegue, mas me ajude a ficar alerta

Porque daqui a pouco será outra pessoa a me ajudar a fugir do óbvio,

só para não ficar óbvio

Então me diga para onde foi o óbvio, porque eu vou para o outro lado

terça-feira, 8 de março de 2011

Máximas e clichês



Não fale, não pense
Antes é preciso sentir

- A pior prisão é aquela em que se está preso por vontade

Não chore, não grite
Antes é preciso ver

- Pior que o sofrimento é o medo de sofrer

Não clame, não pare
Antes é preciso andar

- O caminho se faz no caminhar

Atenção, Atenção
Antes de ouvir é preciso escutar

- O silêncio, às vezes, diz mais que o falar

Tanto tempo mais, tantos clichês a mais
Quanto mais ainda terei de ouvir para entender a verdade inconteste
Minha amiga a verdade está na chuva, não no vento
A verdade não está soprando no vento, está pingando na chuva
Gota por gota, tente pegá-la, e você verá que é impossível
A verdade é uma gota que escorre pelos dedos, apenas uma ínfima parte,
De infinitas verdades
Tente pegá-las, tente juntá-las, é impossível, por que tentamos então?
"Se a assepsia total for impossível, façamos o parto na lama"

Nada me faz necessário
Eu sou irrelevante
Nem todos os livros de autoajuda do mundo podem contra esta verdade:
Eu não preciso de você, você não precisa de mim
A única necessidade é a de mantermos-nos vivos, o resto é invenção, é excedente
A vida é gratuita, mesmo sendo ela muito pesada
Nada nos faz necessário, passaríamos despercebidos, passamos despercebidos

Sem essa de querer ser imortal, é uma paixão inútil, isso já foi dito
O humano é ser fugaz, é querer transformar o fugaz em eterno
É uma busca estéril, uma luta inglória pela glória que é vã
O meu e o teu sonho é viver além da vida, é viver além do sonho,
Do sonho de sonhar que vive, a vida de um sonho, o sonho da vida...

O dia em que a paixão deixou de ser inútil


Francisco saiu de casa cedo, estava ansioso, tinha chegado o grande dia. Precisava estar bem vestido, seria uma ocasião especial, não teria mais nenhum desejo para realizar e nenhuma necessidade para satisfazer, quando saiu de casa naquela manhã. Francisco assim pensava.
Comprou do melhor sapato, como nunca se dera ao luxo; o terno era de microfibra, sempre sonhara com um daquele, a camisa para ficar tom sobre tom, tudo bem apropriado. Era realmente um grande dia.
Quando terminou de fazer as compras, Francisco pensou, precisava de um bom banho, mas antes passara no melhor cabeleireiro, deu um trato geral. Francisco era outro homem, quase além de si.
Então, decidiu alugar o melhor quarto do melhor hotel daquela cidade, assim o fez; pegou a chave, subiu, tomou um belo banho na banheira de hidromassagem, vestiu-se, perfumou-se e saiu, chegara o momento.
Entrou no elevador, em vez de descer subiu, finalmente estava subindo, mais uma vez pensou, estava imponderado, chegou ao alto do grande hotel, a cidade se abria em um grande sorriso, o sol estava encoberto, mas por nuvens claras, estava perfeito. Era o grande dia. O grande dia de Francisco.
Francisco abriu seus braços e deixou todos os pensamentos saírem, ficou leve e vazio, tão leve quanto o ar, Francisco então voou, voou, para encontrar o nada, para transcender-se. Francisco tornou-se Deus, não sentia, não desejava, era um Deus. Um verdadeiro Deus.
Na rua abaixo:
Olha, parece o faxineiro do meu prédio, coitado, uma pessoa tão boa, tão gentil, tão educado. Não, acho que não era o faxineiro lá do prédio, apesar do sangue no rosto está muito moreninho.
Hei, esse não é o encanador que foi lá em casa?, o que será que aconteceu?, parecia um homem tão lúcido.
Não, que nada, este é o cara que me deu um cheque sem fundo, não valia nada, bem feito.
Está bem vestido, parece bem importante. Esses ricos têm de tudo, ganha tudo nas mãos e não dão valor, se fosse pobre não fazia isso, é coisa de desocupado.
Hei moça, você que está chorando, você o conhecia?
Parece meu noivo, não é possível, meu Deus... ah...
Calma, calma, pode ser outra pessoa, ele está tão, tão ...
Para trás, dêem espaço, para trás, para trás...


domingo, 13 de fevereiro de 2011

Coitadinha da Lucinha




Henrique sempre quis ter uma mulher como Lucinha, bonita, inteligente, gostosa. Além de todas essas qualidades, ela aceitou ser uma simples dona de casa, a sua dona de casa, pensava Henrique. Todos o admiravam , “que homem sortudo”, diziam. Mas, mal sabia ele que tanta glória não ficaria isenta, Deus também cobra impostos, o de Henrique foi pesado: Lucinha não gostava de sexo, não gostava de beijar, um abraço demorado já lhe fazia ter ânsia de vômito, coitada, coitadinha.

Henrique descobrira essa taxa divina muito tarde, já quando estava casado. Lucinha também, nem ela sabia que seu comportamento excessivamente recatado era uma repulsa patológica, ou melhor, alergia. Alergia a sexo, disse um especialista, o Doutor Bulhões. Algo muito raro, tão raro que o Doutor Bulhões ficara famoso com a descoberta e Lucinha, anonimamente se tornara uma celebridade, uma espécime para estudo.

Não tinha jeito, Henrique aceitara seu fardo, sabia que a alíquota era excessiva, mas afinal, Lucinha era linda, inteligente, gostosa, mesmo sem prová-la, era gostosa, todos diziam, isso também importava. Assim, cresceu-lhe um sentimento paterno dele para ela. Ele a via como uma pessoa especial, que demandava cuidados, Lucinha, por outro lado, sabendo de seu raro problema de saúde, fazia vistas grossas às esporádicas escapadinhas do marido e aos banhos demorados, contanto que ele não se esquecesse de sua alergia, sabe como é, homem é tudo igual, vive se achando e quer sempre ter certeza, então de vez em quando, Henrique dizia a Lucinha: Vamos tentar?, quem sabe, a alergia é passageira e você já está curada? Aí era só Lucinha consentir, que Henrique mal tocava seu lábio no dela, e o vômito era certo.

Qual não foi a surpresa, quando Henrique voltou mais cedo do trabalho (a repartição fechou por causa da morte do seu Malaquias), e se deparou com um carro obstruindo a garage, teve que deixar o carro na rua, ele então ia apertar o interfone, mas se lembrou que Lucinha gostava de dormir até às 10, e ainda eram 9. Então sacou a chave do bolso e abriu o portão. Já no meio da garage percebeu uns grunhidos, era Lucinha sob o Doutor Bulhões rebolando com desenvoltura.

Henrique sentiu uma mistura de espanto e tesão, se conteve, saiu de casa sem ser percebido. Hoje ele sabe que Lucinha tem alergia sim, mas alergia dele. De todas as mulheres do mundo, fora se casar com uma que era alérgica a ele. Fazer o quê? Ela ainda assim, era bonita, inteligente, gostosa, além do mais, que azar de Lucinha, perfeita, mas com aquela doença rara, pensou ele voltando a repartição. Lembrou que tinha uns relatórios para conferir, ia aproveitar o silêncio da repartição que estava vazia por causa do luto, para adiantar o serviço, o seu Malaquias havia de perdoa-lo por trabalhar no dia da sua morte e, além do mais, assim dava tempo de Lucinha preparar o seu almoço, ah que mão que ela tinha, que mulher; bonita, inteligente, gostosa, o único defeito era aquela alergia, coitadinha, era sua sina. Coitadinha da Lucinha!

Lembranças de um artista


Caio matou aquele homem numa tarde fria. Saiu para caminhar e sem muito pensar desatou o cadarço de um dos tênis e o enforcou. Sentiu-se feliz ao enforcá-lo, ao vê-lo tentando desesperadamente se desvencilhar de seu abraço mortal. Parecia-lhe que a suprema liberdade tomara todo seu corpo. Caio sorriu, estava feliz.

Foi assim que ele se descobriu, foi assim que ele encontrou sua arte. Como Michelangelo nascera para esculpir a vida, ele, Caio, nascera para tirá-la. Como Leonardo pra inventar, ele para destruir. Caio, como todo artista, foi aperfeiçoando sua técnica, ele se reinventava a cada trabalho. E se Caio era bom em alguma coisa, essa coisa era matar. Ele aos poucos se tornara um artista completo, porque se reinventava, não se limitava a gêneros, dominava todos, era um Stanley Kubrick da morte, fugia aos clichês.

Caio matava rico, matava mendigo, cigano, velho, estudante, mulher apaixonada, professor, gay, caminhoneiro... Para ele todos eram iguais, ele esfaqueava, atirava, atropelava, asfixiava, às vezes; fingia ser estuprador, ladrão, outras tantas, seguia algumas tendências como a de serial killer. Mas tudo com muito zelo. Caio era metódico, estudava suas vítimas, que para ele, eram como clientes, ele os estudava durante dias, meses e anos até, não tinha pressa, era atencioso aos detalhes. Caio não era paixão, era cálculo, calculava todas as probabilidades, nunca chegou nem perto de ser pego, quer dizer, quase, quase.

Nesse dia, queria matar em público, durante o dia, hora do almoço de preferência, queria risco, risco calculado, pois já estava meio monótono matar na calada da noite, na surpresa, no estacionamento de supermercado, debaixo do viaduto, etc. Ele queria algo novo, sair da rotina. No carro parado no acostamento de uma avenida, Caio escolheu seu cliente, um senhor magro, alto que andava a passos largos, tinha uns quarenta anos, mas ainda tinha vigor, o que demandava uma arrancada e uma colisão a mais de 60 por hora, tinha que ser um perito, e Caio era.

Caio então acelerou, cantaram os pneus, alguns pedestres se voltaram para ver e mais ou menos a 80 por hora, a vítima bateu sua cabeça no pára-brisa passando por cima do carro, antes, no entanto, algo raro aconteceu. O cliente pôde ver os dentes radiando prazer de Caio, que continuou o trajeto até virar na próxima esquina e percorrer mais uns 70 metros.

Nosso artista então, antes de descer do carro pega a sacola com uma camisa vermelha e um boné e verifica o estrago no carro: muito amassado e pára-brisa quebrado. Começa a correr, ao mesmo tempo em que, liga para polícia, e correndo fala fingindo nervosismo, diz que um homem de camiseta azul, de meia idade, cabelos levemente grisalhos e armado com revólver havia acabado de roubar seu carro, citou o lugar: a avenida em que estava ao atropelar o cliente. Nesse instante, Caio estava na rua de baixo a da avenida citada, já havia corrido uns trinta metros dobrando a esquina em direção a avenida do suposto assalto, já havia se livrado da camisa azul, vestira uma vermelha e colocara o boné para cobrir seus cabelos levemente grisalhos.

Chegando à avenida, ele já podia avistar o tumulto. Perguntou o que tinha acontecido. “Um doido em alta velocidade atropelou um homem”. “Que carro ele estava?”, perguntou Caio, fingindo aflição. “Não sei, acho que um desses jipes, foi muito rápido não deu para ver direito”. Caio surpreso: “ah, meu Deus, é o meu carro roubado”. “Roubado?”. “É, agora mesmo, há cem metros daqui, ali atrás, de frente àquele galpão, que parece abandonado”. Um grita: “O sujeito abandonou o carro e saiu correndo a pé, já deve está longe agora”. O outro fala: “O carro era roubado, olha o dono aqui, o maluco tinha acabado de roubar”. A polícia chega, logo a seguir, os bombeiros: “Abram caminho!”

Foi aí que Caio percebeu o cliente ainda estava vivo, quando os bombeiros passaram por Caio carregando a vítima na maca, foi a vez dos olhares se cruzarem novamente, Caio pensou pela primeira vez em aposentadoria, como um caçador que volta para casa sem a caça. Foi quando a vítima que parecia gritar mudamente lhe reconheceu e tentou falar, gritar, sem sucesso, Caio, no entanto leu-lhe os lábios: “Ali, ali é eleeee”. Foi seu último esforço. Quase, quase, quase, pensava Caio, e por muito tempo esta palavra balançou na sua mente: quase. Como a idéia fixa de Brás Cubas.

Caio depois disso aposentou, abandonou sua arte, parou no auge. Ele prestou concurso, passou, foi nomeado, preferiu um trabalho menos glorioso e modesto. Hoje trabalha duro, virou professor, mas se lembra com orgulho e nostalgia dos tempos em que era livre e destilava sua arte com maestria. Foi a última obra de Caio, e ficara a altura de seu talento. Que belo artista o mundo perdeu.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Histórias reais de fatos improváveis III


O Ponto de Ônibus


Em um dia chuvoso depois da aula, estava eu esperando o ônibus para ir à outra escola terminar minha extensa jornada de trabalho como professor, quando de repente, uma aluna, que não me lembrava até então seu nome (nunca fui bom para nomes) me interpelou.

Oiiii professor, tuuudo bem?

Olá,bem, só um pouco cansado.

O senhor está indo para casa?

Não, infelizmente não, estou indo para outra escola, ainda tenho mais 5 aulas...

Humm, infelizmente porque já está com saudade de sua esposa?

Ah, não, eu não sou casado (nesse instante comecei a perceber suas verdadeiras intenções, mas me mantive impassível).

Sério? Como é possível, nenhuma mulher ainda ter te achado?

Rubramente respondi tentando ser irônico:

É, não sei, parece incrível para mim também.

Já eu estou inda para casa, e não tenho ninguém para cuidar de mim nesse tempo frio, fico tão solitária em casa quando chove.

E seus pais onde estão?

Estão trabalhando, só voltam a noite, eu que cuido da casa.

Que responsabilidade para um menina de ...?

14 anos, quase 15.

Mesmo?

Por quê? Pareço ser mais experiente, mais madura?

É... é, sim parece... (que absurdo: ficar nervoso diante de uma menina de 14 anos).

O senhor já faltou de aula, quer dizer, deixou de ir trabalhar?

Sim, algumas vezes, mas sempre com boas justificativas (que bobo que eu fui, acabo de cair direitinho na sua armadilha).

Nesse momento, ela, a aluna, dá uma voltinha, e com um olhar sensual e voz gutural, me pergunta?

E eu?

Como assim? (fingindo desentendido).

Sou uma boa justificativa?

Ah, hum, sim, claro, mas,...

Meu ônibus, ah... acabei de perder meu ônibus.

Ta vendo? O destino está conspirando a meu favor.

Nesse instante confesso que estava propenso a faltar de serviço, mas meu profissionalismo, ou seja lá o que for, falou mais alto e comecei a tomar às rédeas da situação:

Olha, é o seguinte, você é muito nova, mesmo que tenha saído com outras pessoas e até mesmo outros professores, eu não posso fazer isso.

Não pode por quê?

Por que eu vou te contar três versões do que poderá acontecer se eu aceitar ir para a sua casa hoje:

A primeira é a melhor para mim, eu falto, vou para sua casa, lá farei tudo que você quer, imaginou e até o que você nunca imaginou, você se apaixona por mim, quer a todo custo morar comigo e vai começar a usar todos seus recursos sedutores para que eu faça isso, até que finalmente eu vá falar com seus pais, conseguindo assim o que você quer. Depois de um ano, estaremos morando juntos, você deixa de ser a dona de casa de seus pais para viver o conto de fadas com o seu professor, mas no primeiro mês você percebe que virou foi a minha dona de casa, vai percebe que eu chego em casa cada vez mais cansado, menos inspirado, que a nossa relação caiu na rotina; a seguir, vem as brigas, se dermos sorte você não engravida e, embora, ficaremos magoados e brigados um com outro, teremos, enfim, certeza que nós dois não demos certos devido as disparidades entre os anseios e necessidades de uma menina de 15 anos e de um professor de 25; mas menos mal que você poderá voltar para casa de seus pais e retomar sua vida, quase como era antes.

A segunda opção é mais trágica, supondo que eu esteja mentido e seja casado, e fale sim e vá para sua casa, a primeira parte da história é a mesma da anterior, só que com uma diferença, como eu só quero me divertir, você se apaixona e eu te enrolo até o ano seguinte, então eu mudo de escola e você nunca mais vai me ver, você se decepciona inicialmente, depois fica em estado de tristeza, perde a vaidade, pois já havia contado para suas colegas que estava saindo comigo, então, elas vão te olhar como quem diz: “olha lá a rejeitada, se entregou e depois tomou um chute na bunda”, por fim, entra em depressão, então você vai a um psicólogo, e se tiver sorte, ele vai te indicar um psicanalista que vai te fazer chegar a conclusão que se entregou a um cara mais velho, porque se sentia ignorada pelo pai e, assim, com intenção de suprimir esta carência, esta falta, substitui seu pai pelo professor, que com a rejeição deste, passa a se sentir duplamente abandonada, o que a leva a depressão, depois de se autoconhecer, se recupera e volta a sua vida normal; porém se tiver azar, o psicólogo tentará um tratamento a base de medicamentos, você terá uma melhora rápida, mas ficará dependente dos tais remédios....

A terceira opção só é trágica para mim, pois eu me apaixono por você,  separo da minha esposa, começo a pagar pensão, o que diminui sensivelmente o meu orçamento, consequentemente isso afetará o nível de vida que conseguirei te proporcionar, quando a sensação do novo passar e nosso relacionamento entrar em rotina, você perceberá que foi um erro, que seu nível de vida piorou e vai voltar para a casa de seus pais; aí será eu que entrarei em depressão e terei o seu mesmo destino que teve na história anterior.

Mal eu terminei a terceira versão, ela disse, num tom incrivelmente jocoso e decepcionado, que se revelou na mais pura imagem poética que ainda guardo em minha memória:

É, acho que esse foi o maior nããão que eu recebi!

O segundo ônibus, o último que ainda não me faria chegar atrasado, acabara de parar. Isso me fazia ter apenas 3 segundos para decidir algo que mudaria a minha vida para sempre...

Imagine só o que aconteceu...

domingo, 9 de janeiro de 2011

Estórias de Boteco I

 


Nunca sabemos se é a última ou as últimas?


Numa mesa de bar de uma tarde morna e sem graça tomavam chope dois velhos amigos. Estavam em um silêncio quase constrangedor até que Zé o irrompe sem saber muito que dizer:

Cara, nem te conto... Esses dias passei maior apuro.

É? Responde João com certo desinteresse que beira a melancolia.

Cê sabe minha namorada que mudou daqui, né?

Sim, sei. E...

Bom e daí que a mina ia cair fora, e nós estávamos na maior seca, e o pior? sem ter lugar para aliviar a tensão.

Mesmo? Sorvendo o chope lentamente.

Então no último dia dela aqui, quer dizer, nas últimas horas, estávamos nós esperando meus pais no estacionamento do banco, pois a única chance que tínhamos de ficar sozinhos era permanecermos no carro debaixo daquele calor infernal, mas nós ficamos.

E em meio a abraços e beijos, e a coisa esquentando, resolvemos descer do carro e ir para árvore imensa logo atrás da vaga onde estávamos.

Ela com uma bermuda curta e uma mini-blusa como empecilhos inexoráveis...

Empecilhos inexoráveis?

É, estava atrapalhando muito e...

Eu sei o que significa, mas essas palavras não combinam com a história, diga-se de passagem, uma estorinha chata para caramba.

Aé? Então escuta só, eu não te contei o que ocorreu antes disso. Queria fazer um flash-back, a la Eisenstein, mas já vi que você prefere o tradicional a la Griffith...

Ao o quê?

Ao o quê o caralho, a quem?

A deixa para lá...

É bom mesmo...

Vai... Adiante... O chefia desce outra rodada, beleza?

Então, na noite anterior ao lance do estacionamento, ela dormiu em casa, naquele que seria a nossa despedida, mas acontece que na noite anterior a esta, era meu aniversário, e eu e meu primo...

Que bosta, heim?, quantas noites e dias têm esta história, acho que não vai ter chope o suficiente para nos abastecer enquanto você a conta, não.

Caralho, cê qué ouvi a história ou não?

Sim, sim, prossiga.

O lance do primo é o seguinte, eu tinha ido a uma boate com ele, cheguei de madrugada e isso explica, ou pelo menos foi minha desculpa, para ter dormindo e não ter ido ao quarto de minha irmã, onde minha namorada dormia, para que depois que a minha irmã começasse a roncar, pois era o sinal de que já estava dormindo, tivéssemos, enfim, nossa despedida.

Pois bem, como disse, eu dormi. Quando acordei, o dia já estava clareando e mesmo assim eu arrisquei, e nas pontas dos pés fui até o quarto, subi na cama, e logo minha namorada acordou e sem perder tempo começamos, pois nisso, não é que a minha irmã desperta, levanta e sai do quarto? Aí eu pensei, fudeu, vai direto ao meu pai contar tudo. Nesse instante corri pelado juntando uma roupa aqui outra ali e fui direto para o meu quarto esperar o pior...

E quem diria, minha irmã levantou da cama sem ver que eu estava na cama ao lado com a minha namorada debaixo de mim. Ela tinha ido apenas ao banheiro e retornou ao quarto como se nada tivesse ocorrido e voltou a dormir.

Hum, sei...

O problema é que não dava mais tempo para tentar nada, meu pai logo acordou e a nossa despedida furou, por culpa minha, por ter dormido demais.

Ta legal sua estorinha, mas o quê que o acontecimento do estacionamento tem a ver com isso?

Muito, oras, foi no mesmo dia, estava com peso na consciência de não ter acordado, o desejo tinha aumentado, e aparentemente o estacionamento estava sem nenhuma alma viva.

Foi quando que, entre amassos e beijos debaixo da sombra da grande árvore, inspirado resolvi tentar a sorte, ela resistiu, mas consentiu, e começamos ali mesmo, perto do meio dia, a termos umas das sensações mais fascinantes até então, uma mistura de medo, desejo, atenção, tensão e prazer durante breves minutos que terminaram abruptamente, pois sem perceber um motoqueiro na sombra da árvore ao lado, dava um sorriso largo para gente, pois, ao que parece o mesmo estava ali, já fazia algum tempo, e assim ficou admirando a cena sem que, em nossa loucura íntima, tivéssemos percebido.

Quando nós o descobrimos, então nos entreolhamos, eu, ela e o motoqueiro, foi o mesmo que entrar no pólo norte, e se pudéssemos, teríamos escondidos nossas cabeças lá de vergonha, pois o mais tragicômico não foi não ter chegado ao êxtase, mas sim ter visto o vilão sair rindo safadamente para nós.

Depois tive que enfrentar a ira da minha namorada nas últimas horas antes dela viajar, pior não podia acontecer, depois disso, você já sabe...

Sei o quê?

Essa história dela lá e eu aqui...

Ahh sim, sei, como sei...

Ê, quê que foi? Qual é? Eu sou inseguro, mas tenho sentimentos, saio com outras, mas é por insegurança, falou?

Sei, claro, como não, ô garçom traz um escuro pra mim, continua no claro?

Claro.

E um claro para ele, firmeza?

Vamos fechar?

Sim pod...

Beleza, ô garçom! Aproveita e traz a conta, falou?

Linnus Schroeder