segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sobre a humildade cretina e a sapiência ingênua


Começo pela segunda: há pessoas que se notabilizam por parecer aos demais que os cercam, seja num boteco, numa aula de faculdade ou numa padaria, terem domínios sobre todos os conhecimentos possíveis e imagináveis.
Falam com desenvoltura sobre tudo e todos, receitam remédios, indicam livros, opinam sobre o pôr do sol, as ondas do mar, o índice de inflação, o PIB, etc.
Alguns destes, quando perdemos nosso precioso tempo a observá-los, nos parecem simples diletantes promovendo seus conhecimentos superficiais e rasteiros.
Aí é que vemos a falta que faz programas do tipo Show do Milhão, lugares privilegiados dos pernósticos solitários que se sentem deslocados ou mesmo rejeitados pela sociedade “inculta”.
Mas há outros tipos de sabedoria idiota, há aqueles que se esforçam para parecerem úteis e prestativos, cuja presença revelam um grau de sinceridade em suas intervenções, claro que também demonstram ter uma boa dose de ingenuidade, pensando saber mais do que de fato sabem.
Estes últimos, os ingênuos, são perdoáveis, merecem nosso indulto.
Os outros nem tanto, pois negam o que de mais relevante há nas posturas sábias: o silêncio, o calar-se.
Já dizia Paulo Freire que o único pré-requisito para o aprendizado, é confessar-se ignorante, quanto mais profundo é o nosso conhecimento, mais restrito também o é, quanto mais sabemos mais nos conscientizamos de nossa ignorância.
Sócrates, tido como sábio, dizia segundo Platão: “Só sei que nada sei”, muita gente toma esta frase como se significasse um rompante de humildade, nada mais equivocado, pelo contrário.
Com isso, Sócrates queria dizer que ele tinha consciência de que nada ou pouco sabia, e será que os outros teriam esta consciência?, ou seja, os outros sabiam que nada sabiam?
No fundo, o que ele requisitava era um conhecimento prévio de si mesmo diante do mundo, consequentemente, um conhecimento propedêutico para a compreensão do mundo.
Este conhecimento, o da nossa própria ignorância, talvez seja a base para uma postura sábia.
Nietzsche, um opositor empedernido da tradição socrática, disse que Sócrates inventou a maiêutica, a arte do diálogo, do interrogar-se a si e ao outro num confronto de ideias para se alcançar um conhecimento consensual sobre os homens e o mundo, porque realmente nada sabia.
De qualquer forma, podemos supor que Nietzsche estaria de acordo a respeito de que o  ato de perguntar, na maioria das vezes, é mais sábio se comparado a atitude de quem a  tudo responde, ou a de  quem tem sempre resposta para tudo.
Precisamos tentar sair do mero ato de opinar, pois isso nos leva a debates intermináveis e estéries.
E também saber a sábia hora de se calar, enfim, evitar dizer bobagens.
Por outro lado, devemos dedicar mais tempo ao estudo dos fatos, das filosofias e só depois desse primeiro passo rumo ao conhecimento dos outros, das ideias alheias, aí assim, emitir algum juízo posterior minimamente fundamentado.
Rezo todos os dias por mais juízo de fatos e menos juízos de valores.
Não quero com isso afirmar que a separação perfeita entre um tipo e outro seja possível, mas discordar antes de conhecer nos revela no mínimo uma postura arrogante e preconceituosa, nada mais distante da sabedoria.
Seguindo a linha de Nietzsche, chegaremos ao outro extremo: o humilde cretino, que se faz de humilde para parecer uma sapiência que também não tem.
Talvez fosse isso que Nietzsche pensasse sobre Sócrates, talvez.
O humilde cretino, personagem tão corriqueiro nos ambientes de trabalho, lazer e escola é aquele que sempre tenta relativizar as coisas ou se esquivar de questões mais polêmicas.
Estes são terríveis para quaisquer debates, pois, por vezes, tentam conciliar coisas inconciliáveis, confundem confronto de ideias com ofensas, críticas com maledicências e por aí vai.
Como se o ato de contestar ideias fosse uma grande contravenção, uma falta de etiqueta ou no mínimo uma deselegância, geralmente tendem a concordar com tudo, e acabam por isso no outro extremo.
Ou seja, este tipo de pessoa na tentativa de relativizar os conceitos, as consequências, causas e efeitos, procuram se apegar em opiniões supostamente universais, grandes guarda-chuvas que pretendem abarcar todas as outras opiniões, evitando, supostamente assim, o descontentamento das partes.
Eles procuram fazer sínteses completamente ecléticas e descabidas buscando não desagradar os discursantes.
Nesse caso, o debate também não avança, fica nebuloso e contraproducente.
Enfim, em nosso cotidiano, muito frequentemente entramos em contato com uma cornucópia de tipos sociais que vão desde o humilde cretino até o sábio ingênuo e seus infinitos derivados. E quase sempre sentimos um misto de indignação e pena, pois afinal, desejar ardentemente esconder ou disfarçar a nossa imensa ignorância não deixa de ser algo meio patológico.

domingo, 24 de abril de 2011

O que enjoa é o óbvio

Me diga onde fica o óbvio

Diga-me, pois eu irei para o outro lado

Se você gosta do óbvio,

Eu quero gostar de outra coisa

Eu quero outra coisa que ninguém viu

Mesmo que seja aquilo que você gosta

Eu quero gostar de outra coisa naquilo que você gosta

Não me diga para fazer o mesmo

Isso é me torturar, e para essa tortura não tem anistia

Se você quer sair, ir ao mesmo lugar de antes

Tudo bem, mas não venha com a mesma cara

Com as mesmas ideias

Por favor, não cante aquela mesma música

Nem fale que me ama do mesmo jeito

Aliás pare de me amar

Isso enjoa



É angustiante viver com náusea,

Mas prefiro a angústia à estagnação e à estabilidade

Dê-me o mundo de Maquiavel e não o do Leviatã de Hobbes

Eu quero a respiração ofegante do dia-a-dia

E não a monotonia do sono sem sonho, sem pesadelo



Eu sinto náusea por tudo que já gostei demais

Gostei demais,

além da conta,

chega,

não gosto mais,

não quero mais,

não posso mais.



O desagradável não dá enjôo, irrita em princípio,

Mas é chato apenas, e o que é chato a gente ignora, não sente náusea,

A náusea é outra coisa, é ânsia de expurgar o que está dentro, se esvaziar

Assim como é ânsia de outra coisa que não se tem, que só se deseja

O que é demais é que causa náusea

Não sentimos enjôo do que não gostamos e sim do que gostamos em demasia



Por isso quero fugir daquilo que seria o óbvio

Quero evitar o óbvio, a decisão fácil, a mais provável

Me diga onde está o óbvio que eu vou para outro lado

Parece um contrassenso dizer que quer evitar o óbvio, pois isso parece muito óbvio

Até nisso o óbvio me persegue, mas me ajude a ficar alerta

Porque daqui a pouco será outra pessoa a me ajudar a fugir do óbvio,

só para não ficar óbvio

Então me diga para onde foi o óbvio, porque eu vou para o outro lado