sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Por que ler Rosa Luxemburgo?


Rosa Luxemburgo foi uma apaixonada revolucionária anti-autoritária que apostava que as massas seriam capazes de desencadear a revolução.

Envolveu-se em diversas polêmicas, talvez a mais famosa tenha sido a que tentou desconstruir a tese revisionista de Bernstein que almejava implantar o socialismo através de reformas democráticas.

Bernstein foi o precursor do eurocomunismo e talvez o maior representante da socialdemocracia.

Rosa o refutou em diversos pontos, sendo mais expressiva quando detectou que não se poderia implantar o socialismo por meio de reformas, porque estas não destruiriam o capitalismo.
Em suma, ela antecipou a falência do Estado de Bem Estar Social, e se formos só um pouco gentil com Rosa, podemos também dizer que ao recusar a tese de que os trustes e os cartéis, mais as organizações patronais impediam que o capitalismo entrassem em novas crises, ela também anteveu a crise de 1929, que se desencadeou, principalmente, porque o desenvolvimento das forças produtivas ultrapassou, mais uma vez, como muitas que aconteceriam depois, graças também, ao crescimento do capitalismo monopolista que deveria se portar como antídoto com a ampliação do crédito, na tese de Bernstein.

Isso não só destruía as teses de Bernstein, como também as invertia, pois o que ele apontava como um dos fatores que salvava o capitalismo das crises cíclicas, qual seja, a expansão do crédito, era justamente, na visão de Rosa, como se confirmou na prática, um dos motivos que precipitava o capitalismo ao abismo.

Talvez o único senão de Rosa tenha sido o de confiar, ambiguamente, tanto na necessidade histórica do socialismo, quanto na ação dirigida das massas.

A história, até aqui nos prova, que embora o capitalismo seja inviável pois depende dos recursos limitados do planeta para continuar expandido, por outro lado, nada nos dá a certeza de que o socialismo sendo uma alternativa viável, seja também uma conseqüência inevitável dessa crise.

Contudo, ainda sim (por isso ambiguamente), não podemos nos esquecer que a autora também abria um precedente para a Bárbarie... embora, claro, preferisse e lutasse apaixonadamente pelo socialismo até o seu último suspiro, ante os que mais tarde seriam conhecidos como nazistas.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Ideologia do Anarquismo - Rudolf Rocker


O anarquismo é uma corrente intelectual definida de pensamento social, cujos adeptos advogam a abolição na sociedade dos monopólios econômicos e de todas as instituições políticas e sociais coercivas. No lugar da ordem econômica capitalista, os anarquistas teriam uma livre associação de todas as forças produtivas baseadas no trabalho cooperativo, que teria por único propósito a satisfação das exigências necessárias de cada membro da sociedade. No lugar dos atuais Estados nacionais, com sua maquinaria sem vida de instituições políticas e burocráticas, os anarquistas desejam uma federação de comunidades livres que devem estar vinculadas por seus interesses econômicos e sociais comuns e que devem resolver suas questões por meio do acordo mútuo e do livre contrato.

Quem quer que estude com profundidade o desenvolvimento econômico e político do sistema social atual percebera que esses objetivos não nascem de idéias utópicas de alguns inovadores sonhadores, mas que são o resultado lógico de um exame completo dos desajustes sociais existentes que, a cada nova fase das condições sociais atuais, se manifestam de forma mais evidente e perniciosa. O capitalismo monopolista moderno e o Estado totalitário são apenas os últimos estágios de um desenvolvimento que não poderia ter outro fim.

O prodigioso desenvolvimento do nosso sistema econômico, levando à poderosa acumulação social de riqueza nas mãos de minorias privilegiadas e à repressão constante da grande massa do povo, preparou o caminho para a reação política e social atual, favorecendo-a de todas as formas. Ele sacrificou o interesse geral da sociedade humana em favor de interesses privados de indivíduos, sabotando sistematicamente assim, um verdadeiro relacionamento entre os homens. As pessoas esqueceram-se que a indústria não é um fim em si mesmo, devendo ser apenas um meio de assegurar ao homem sua subsistência material e de tornar acessível a ele as dádivas de uma cultura intelectual superior. Onde a indústria é tudo, onde o trabalho perde sua importância ética e o homem é nada, começa o domínio do despotismo econômico implacável, cujos desenvolvimentos não são menos desastrosos que aqueles de qualquer despotismo político. Cada um deles contribui para o outro; os dois alimentam-se da mesma fonte.

Nosso sistema social moderno dividiu internamente o organismo social de cada país em classes hostis e, externamente, dissolveu o círculo cultural comum em nações hostis; ambas, classes e nações, confrontam-se em um aberto antagonismo e por meio de suas guerras sem trégua mantêm a vida social da comunidade em convulsões contínuas. As duas guerras mundiais neste meio século, seus terríveis desdobramentos e a ameaça constante de novas guerras, que hoje domina todos os povos, são apenas as conseqüências lógicas dessa condição intolerável que pode levar apenas às catástrofes universais mais profundas. O simples fato de que a maioria dos Estados hoje em dia seja obrigada a gastar boa parte de seus recursos anuais para a propalada defesa nacional e para a liquidação de antigas dívidas de guerra é a prova da insustentabilidade da situação presente; deve ser claro a todo mundo que a suposta proteção que o Estado oferece ao indivíduo tem um preço que é caro demais.

O poder crescente de uma burocracia política sem alma que supervisiona e protege a vida dos homens, do berço ao túmulo, está criando obstáculos cada vez maiores à cooperação entre os seres humanos. Um sistema que, em cada ato de sua existência, sacrifica o bem-estar de grandes segmentos do povo, de nações inteiras, para a ambição egoísta pelo poder e para os interesses econômicos de pequenas minorias, deve necessariamente dissolver os laços sociais e levar a uma guerra constante de cada um contra todos. Esse sistema tem sido apenas o marca-passo para a grande reação intelectual e social que encontra hoje sua expressão no fascismo moderno e na idéia do Estado totalitário que ultrapassa de longe e obsessão pelo poder da monarquia absoluta de séculos passados e que busca trazer cada esfera da atividade humana sob o controle do Estado. “Tudo para o Estado; tudo pelo Estado; nada sem o Estado!” torna-se o leitmotiv de uma nova teologia política. Da mesma forma que para os vários sistemas de teologia eclesiástica. Deus é tudo e o homem é nada, também para o credo político moderno, o Estado é tudo e o cidadão é nada. E assim como se usou as palavras “a vontade de Deus” para justificar a vontade das castas privilegiadas, escondem-se hoje, sob “a vontade do Estado”, apenas os interesses egoístas daqueles que se propõem a interpretar essa vontade no seu próprio sentido e forçá-la ao povo.

No anarquismo moderno há a confluência de duas grandes corrente que antes e após a Revolução Francesa encontram uma expressão característica na vida intelectual da Europa: o socialismo e o liberalismo. O Socialismo moderno desenvolveu-se quando alguns profundos observadores da vida social passaram a ver de forma cada vez mais clara que as constituições políticas e as mudanças nas formas de governo não poderiam chegar à raiz do grande problema, que chamamos de questão social. Seus defensores reconheceram que o nivelamento das condições sociais e econômicas para o benefício de todos, apesar das adoráveis suposições teóricas, não é possível enquanto o povo estiver separado em classes que se baseiam na posse ou não de propriedade – classes cuja mera existência exclui de antemão qualquer idéia de uma comunidade genuína. Desenvolveu-se então a convicção de que apenas pela eliminação dos monopólios econômicos e pela propriedade comum dos meios de produção torna-se factível uma condição de justiça social, condição na qual a sociedade deve tornar-se uma verdadeira comunidade e o trabalho humano não mais servirá aos fins da exploração, mas assegurará o bem-estar de todos. Mas assim que o socialismo começou a agregar suas forças, tornando-se um movimento, vieram imediatamente à luz certas diferenças de opinião com relação às influências do ambiente social nos diferentes de opinião com relação às influências do ambiente social nos diferentes países. É inquestionável que todos os conceitos políticos da teocracia ao cesarismo e à ditadura influenciaram certas parcelas do movimento socialista.

Enquanto isso, duas outras grandes correntes no pensamento político tinham uma importância decisiva no desenvolvimento das idéias socialistas: o liberalismo, que tinha estimulado fortemente os espíritos avançados nos países anglo-saxões, assim como na Holanda e na Espanha em particular, e a democracia, no sentido dando por Rousseau no Contrato Social, que encontrou seus representantes mais influentes nos líderes do jacobinismo francês. Enquanto o liberalismo em suas teorias sociais começava do indivíduo e desejava limitar as atividades do Estado a um mínimo, a democracia defendia um conceito coletivo abstrato, a vontade geral de Rousseau, que ele buscava fixar no Estado nacional. O liberalismo e a democracia eram conceitos preeminentemente políticos e uma vez que a maior parte dos primeiros adeptos dessas duas correntes raramente consideravam as condições econômicas da sociedade, o desenvolvimento ulterior dessas condições não poderia ser reconciliado praticamente com os princípios originais da democracia e muito menos com aqueles do liberalismo. A democracia, com seu mote de “igualdade para todos os cidadãos perante a lei” e o liberalismo, com o seu “direito do homem sobre sua própria pessoa” foram arruinados na realidade da economia capitalista. Enquanto milhões de seres humanos de todos os países tinham de vender seu trabalho a uma pequena minoria de proprietários e se afundar na mais desgraçada miséria caso não encontrassem compradores, a suposta igualdade perante a lei permanecia apenas uma fraude piedosa, uma vez que as leis eram feitas por aqueles que se encontravam na posse da riqueza social. Mas, da mesma forma, não se pode falar sobre o direito do homem sobre sua própria pessoa, uma vez que o direito termina quando se é obrigado a se submeter à ordem econômica de outrem, se não se quer morrer de forme.

Em comum com o liberalismo, o anarquismo representa a idéia de que a felicidade e a prosperidade do indivíduo devem ser o padrão para todas as questões sociais. E, em comum com os grandes representantes do pensamento liberal, tem também a idéia da limitação das funções do governo a um mínimo. Seus adeptos levaram esse pensamento às suas últimas conseqüências e desejam eliminar toda instituição de poder político da vida da sociedade. Quando Jefferson veste o conceito básico do liberalismo com as palavras, “o melhor governo é o que menos governa”, os anarquistas dizem com Thoreau, “O melhor governo é o que nada governa”.

Em comum com os fundadores do socialismo, os anarquistas exigem a abolição do monopólio econômico em todas as formas e defendem a propriedade comum do solo e de todos os outros meios de produção – cujo uso deve estar disponível a todos, sem distinção – pois a liberdade pessoal e social é concebível apenas sobre a base de condições econômicas iguais para todos. Dentro do próprio movimento socialista, os anarquistas representam o ponto de vista de que a luta contra o capitalismo deve ser ao mesmo tempo uma luta contra todas as instituições coercivas de poder político, pois, na história, a exploração econômica andou sempre de mãos dadas com a opressão política e social. A exploração do homem e uma é a condição para a outra.

Enquanto um grupo de proprietários e um grupo de não proprietários se enfrentarem conflituosamente na sociedade, o Estado será indispensável à minoria proprietária para a proteção de seus privilégios. Quando essa condição de injustiça social desaparecer e der lugar a uma ordem de coisas superior que não reconhecerá direitos especiais e que deverá ter como pressuposto básico a comunhão dos interesses sociais, o governo sobre o home deve dar lugar á administração das questões econômicas e sociais ou, para falar como Saint Simon, “Virá o tempo em que a arte de governar o homem desaparecerá. Uma nova arte tomará o seu lugar, a arte de administrar as coisas”. Nesse sentido, o anarquismo deve ser encarado como um tipo de socialismo voluntário.

Isso acaba também com a teoria sustentada por Marx e seus seguidores de que o Estado, na forma de ditadura do proletariado, é um estágio transitório necessário para uma sociedade sem classes, na qual o Estado, após a eliminação de todos os conflitos de classes e, depois das próprias classes, dissolver-se-ia a si mesmo e desapareceria de cena. Pois este conceito, completamente equivocado sobre a natureza real do Estado e sobre a importância do fator do poder político na história, é apenas o resultado lógico do chamado materialismo econômico, que vê em todos os fenômenos da história apenas os efeitos inevitáveis dos métodos de produção da época. Sob a influência desta teoria, passou-se a se conceber as diferentes formas do Estado e de todas as outras instituições sociais como uma “superestrutura jurídica e política no edifício econômico” da sociedade e a se pensar que se tinha encontrado aí a chave para todos os processos históricos. Na verdade, cada momento da história nos fornece milhares de exemplos do modo pelo qual o desenvolvimento econômico dos países foi atrasado por séculos pelo Estado e sua política de poder.

Antes da ascensão da monarquia eclesiástica, a Espanha era, industrialmente, o país mais avançado da Europa e estava em primeiro lugar na produção econômica em praticamente todos os campos. Mas, um século após o triunfo da monarquia cristã, a maioria de suas indústrias tinha desaparecido; o que sobrou delas sobreviveu apenas nas piores condições. A maior parte das indústrias regrediu aos métodos mais primitivos de produção. A agricultura entrou em colapso, os canais tornaram-se ruínas e grandes extensões do país transformaram-se em desertos. O absolutismo principesco na Europa com seus tolos “decretos econômicos” e sua “legislação industrial”, que puniam severamente qualquer desvio dos métodos prescritos de produção e que não permitiam novas invenções, bloquearam o progresso industrial nos países europeus por séculos e impediram seu desenvolvimento natural. E mesmo agora, após as terríveis experiências de duas guerras mundiais, a política de poder dos grandes Estados nacionais mostra-se o maior obstáculo à reconstrução da economia européia.

Na Rússia, no entanto, onde a chamada ditadura do proletariado concretizou-se, as aspirações de um partido particular pelo poder político impediram toda reorganização verdadeiramente socialista da vida econômica e subordinaram o país à escravidão de um capitalismo de Estado demolidor. A ditadura do proletariado, que algumas ingênuas acreditam ser um estágio inevitável de transição ao socialismo real, transformou-se hoje em um assustador despotismo e em um novo imperialismo que ao deve nada à tirania dos Estados fascistas. À luz da experiência histórica, a afirmação de que o Estado deve continuar a existir até que a sociedade não esteja mais dividida em classes hostis parece uma piada sem graça.

Todo tipo de poder político pressupõe alguma forma particular de escravidão humana, para cuja manutenção ele é forjado. Externamente, isto é, na relação com os outros Estados, o Estado tem de criar certos antagonismos fictícios para justificar sua existência. Internamente, a clivagem da sociedade em castas, postos e classes é uma condição essencial de sua continuidade. O desenvolvimento da burocracia bolchevique na Rússia, sob a suposta ditadura do proletariado – que nunca foi mais que uma ditadura de um pequeno grupo sobre o proletariado e o conjunto de povo russo – é apenas um novo exemplo de uma velha experiência histórica que tem se repetido inúmeras vezes. Essa nova classe dominante, que está hoje se transformando rapidamente em uma nova aristocracia, é separada da grande massa de camponeses e trabalhadores russos de forma tão clara quanto às castas e classes privilegiadas dos outros países se separam do povo. E esta situação torna-se ainda mais insuportável quando um Estado despótico nega às classes inferiores o direito de reclamar das condições existentes, de forma que qualquer protesto é feito sob risco de vida.

Porem, mesmo um grau muito maior de igualdade econômica do que aquele que existe na Rússia não seria uma garantia contra a opressão política e social. A igualdade econômica sozinha não é libertação social. É isso precisamente o que todas as escolas do socialismo autoritário nunca entenderam. Na prisão, no mosteiro ou no quartel encontra-se um grau relativamente alto de igualdade econômica, já que todos os internos recebem a mesma habitação, a mesma comida, o mesmo uniforme e as mesmas tarefas. O antigo Estado inca no Peru e o Estado jesuíta no Paraguai trouxeram suprimentos econômicos iguais para seus habitantes segundo um sistema fixo, mas, apesar disso, prevalecia lá o despotismo mais vil e os seres humanos eram apenas autômatos de uma vontade superior que não tinham a menor influência sobre as decisões. Não é sem motivo que Proudhon via no “socialismo” sem liberdade a pior forma de escravidão. O anseio por justiça social pode apenas se desenvolver adequadamente e ser efetivo quando ele nasce do sentimento de liberdade e responsabilidade do homem e baseia-se nele. Em outras palavras, o socialismo será livre ou simplesmente não o será. É no reconhecimento deste fato que está a genuína e profunda justificativa do anarquismo.

As instituições têm para a vida da sociedade, o mesmo propósito que os órgãos físicos têm para as plantas e os animais; elas são órgãos de um corpo social. Órgãos não se desenvolvem arbitrariamente, mas devem sua origem às necessidades definidas do ambiente físico e social. Condições de vida modificadas produzem órgãos modificados. Mas um órgão sempre realiza a função para a qual foi concebido, ou uma função relacionada. E assim que sua função torna-se desnecessária ao organismo, ele gradualmente desaparece ou torna-se rudimentar.

O mesmo vale para as instituições sociais. Elas também não surgem arbitrariamente, mas são forjadas por necessidades sociais especiais para servir propósitos definidos. Dessa forma, concebeu-se o Estado moderno, quando os privilégios econômicos e as divisões de classes associados a ele tornaram-se proeminentes no quadro da antiga ordem social. As recém-chegadas classes proprietárias necessitavam de um instrumento político de poder para manter os privilégios econômicos e sociais sobre as massas de seu próprio povo e para impô-los de fora, a outros grupos de seres humanos. Assim, surgiram as condições sociais apropriadas para a revolução do Estado moderno como o órgão de poder político para a subjugação e opressão das classes não proprietárias. Essa tarefa é a razão essencial de sua existência. Suas formas externas alteraram-se no curso de seu desenvolvimento histórico, mas suas funções permaneceram sempre as mesmas. Elas até constantemente se expandiram, na medida em seus defensores conseguiram submeter outros campos de atividades sociais a seus fins. E, da mesma forma que as funções de um órgão físico não podem ser alteradas de maneira arbitrária – não se pode, por exemplo, por escolha, escutar com os olhos ou enxergar com os ouvidos – também não se pode, por prazer, transformar um órgão de opressão social em um instrumento de liberação do oprimido.

O anarquismo não é a solução original para todos os problemas humanos, não é a utopia de uma ordem social perfeita (como muitas vezes tem sido chamada), já que, em princípio, ele rejeita todos os esquemas e conceitos absolutos. O anarquismo não acredita em nenhuma verdade absoluta ou em qualquer objetivo final definido para o desenvolvimento humano, mas em um aperfeiçoamento ilimitado dos padrões sociais e condições de vida humana que estão sempre se esforçando para chegar em formas mais elevadas de expressão, às quais, por esse motivo, não podem designar nenhum fim definitivo ou estabelecer nenhum objetivo fixo. O grande mal de qualquer forma de poder é que ele sempre tenta forçar a rica diversidade da vida social em formas definidas e ajustá-la a normas particulares. Quanto mais fortes se sentem seus defensores, mais bem sucedidos eles são em colocar todos os campos da vida social a seu serviço, quanto mais mutilante é a sua influência na operação de todas as forças culturais criativas, mais prejudicialmente ela afeta o desenvolvimento intelectual e social do poder e, um triste presságio para o nosso tempo, ela mostra com clareza assustadora a que grau de monstruosidade o Leviathan de Hobbes pode ser desenvolvido. É o triunfo perfeito da máquina política sobre a mente e o corpo, a racionalização do pensamento humano, o sentimento e o comportamento de acordo com as regras estabelecidas pelas autoridades e, conseqüentemente, o fim de toda cultura intelectual verdadeira.

O anarquismo reconhece apenas a importância relativa das idéias, instituições e condições sociais. Ele não é, portanto, um sistema social fixo e fechado, mas uma tendência definida no desenvolvimento histórico da humanidade que, em contraste com a vigilância intelectual de todas as instituições clericais e governamentais, luta pelo desdobramento livre e desimpedido de todas as forças individuais e sociais na vida. Mesmo a liberdade á apenas um conceito relativo, não absoluto, já que tende constantemente a alargar seu alcance e afetar círculos maiores de formas diversas. Para o anarquista, a liberdade não é um conceito filosófico abstrato, mas a possibilidade vital concreta de todo ser humano desenvolver completamente as capacidades e talentos com os quais a natureza o dotou, revertendo-os em valor social. Quanto menos se interfere neste desenvolvimento natural do homem pela vigilância eclesiástica ou política, mais eficiente e harmoniosa torna-se a personalidade humana, mais ela se tornará a medida da cultura intelectual da sociedade na qual ela cresce. Essa é a razão pela qual todos os grandes períodos culturais na história foram períodos de fraqueza política, pois os sistemas políticos são sempre estabelecidos sobre a mecanização e não sobre o desenvolvimento orgânico das forças sociais. Estado e cultura são opostos irreconciliáveis. Nietzsche, que na era um anarquista, reconheceu isso muito claramente quando escreveu: “Ninguém pode, afinal, gastar mais do que tem. Isso vale para indivíduos e vale para os povos. Se uma pessoa desgasta-se pelo poder, pela alta política, pelo casamento, pelo comércio, parlamentarismo, interesses militares – se uma pessoa dá a quantidade de razão, determinação, vontade, autocontrole que constitui seu eu para uma coisa, ela não a terá para outra. Cultura e Estado – que ninguém se engane com isso – são antagônicos: o Estado cultural é apenas uma idéia moderna. Um vive sobre o outro, um prospera à custa do outro. Todos o que é grande, num sentido cultural, é não político, é mesmo antipolítico”.

Onde a influência do pode político sobre as forças criativas da sociedade é reduzida a um mínimo, a cultura floresce ao máximo, pois o controle político sempre luta pela uniformidade, e tende a sujeitar todos os aspectos da vida social à sua vigilância. E, nisso, ele encontra uma contradição inescapável às aspirações criativas do desenvolvimento cultural que está sempre em busca de novas formas e novos campos de atividade social e, para o qual, a liberdade de expressão, o caráter multifacetado e a mudança contínua das coisas são tão vitalmente necessários, da mesma maneira que as formas rígidas, as regras mortas e a supressão violenta das idéias são necessárias para a conservação do poder político. Cada fragmento de trabalho bem sucedido incita o desejo de uma maior perfeição e uma inspiração mais profunda; cada nova forma torna-se o prenúncio de novas possibilidades de desenvolvimento. Mas o poder sempre tenta manter as coisas onde estão, seguramente ancoradas em estereótipos. Este foi o motivo de todas as revoluções na história. O poder opera apenas destrutivamente, dedicado apenas em forçar todas as manifestações da vida social à camisa-de-força de suas regras. Sua expressão intelectual é o dogma morto, sua forma física, a força bruta. E essa incompreensão de seus objetivos deixa sua marca também em seus representantes fazendo-os freqüentemente estúpidos e brutos, mesmo quando são naturalmente dotados dos melhores talentos. Quem está constantemente lutando para forçar tudo numa ordem mecânica, finalmente se torna, ele mesmo, uma máquina, e perde todos os sentimentos humanos.

Foi dessa compreensão que o anarquismo moderno nasceu e tira sua força moral. Apenas a liberdade pode instigar os homens às grandes coisas e trazer transformações intelectuais e sociais. A arte de governar o homem nunca foi a arte de educá-los e levá-los a novas formas de modelar suas vidas. A sombria compulsão tem ao seu comando apenas exercícios sem vidas. A sombria compulsão tem ao seu comando apenas exercícios sem vida, que sufocam qualquer iniciativa vital desde o nascimento e que têm como resultado apenas súditos, não homens livres. A liberdade é a verdadeira essência da vida, a força propulsora de todo desenvolvimento intelectual e social, a criadora de toda perspectiva para a humanidade futura. A liberação do homem da exploração econômica e da opressão intelectual, social e política, que encontra sua maior expressão na filosofia do anarquismo, é o primeiro pré-requisito para a evolução de uma cultura social superior e de uma nova humanidade.

1946

sábado, 1 de novembro de 2008

La naissance de la pensée libertaire - Daniel Colson


Le premier est celui de son apparition comme courant de philosophie politique. Il est lié aux transformations et à la situation explosive de l'Europe du milieu du XIXe siècle, et plus particulièrement aux événements et aux mouvements révolutionnaires de 1848. Au cours de cette période, - du début des années 1840 à la création, vingt-cinq ans plus tard, de l'Association Internationale des Travailleurs (AIT) -, l'anarchisme n'existe pas comme courant politique effectif, identifiable dans des organisations, des groupes ou des symboles de manifestations publiques. Sa réalité est principalement philosophique et journalistique, mais une philosophie et un journalisme intimement mêlés à l'ébullition théorique et politique d'alors comme aux bouleversements matériels et sociaux que connaît l'Europe. De manières diverses, faisant appel à de nombreuses formes littéraires, la pensée anarchiste prend corps en quelques années, du mémoire de Proudhon, Qu'est-ce que la propriété ? (1840), à son livre posthume De la Capacité politique des classes ouvrières (1865), en passant par L'Unique et sa Propriété de Stirner (1845), les premiers textes de Bakounine, ceux de Joseph Déjacques, d'Ernest Coeuderoy, mais aussi les tableaux et les conceptions artistiques de Gustave Courbet par exemple ou encore une multitude d'expressions, de proclamations, d'utopies et de notations éparses dans tout ce qui se dit et s'écrit au cours de cette période. Les principaux inventeurs de l'anarchisme, - Proudhon, Bakounine, Déjacques, Coeuderoy -, ont pu se lire et se sont lus, se sont rencontrés parfois, mais ils ne se sont jamais concertés, n'ont jamais essayé de constituer un groupe ou une école politique. Ils se sont influencés les uns les autres, et Proudhon, par le nombre de ses livres, et surtout la force de ses conceptions sociales et philosophiques, occupe sans aucun doute une place prépondérante dans la naissance de la pensée libertaire. Mais, - et on n'en attendait pas moins d'eux -, aucun de ces auteurs n'est le maître ou le théoricien des autres. Chacun élabore l'essentiel de ses conceptions à partir de lui-même, à partir de ce qu'il perçoit et du monde (parfois très particulier) où il vit ; dans Trois essais de philosophie anarchiste - Introduction 2 une mystérieuse unité où toute une dimension de l'époque et de ses possibles s'exprime spontanément dans chacun de leurs écrits.

C'est seulement un siècle et demi plus tard, à la lumière de son renouveau de la fin du XXe siècle, qu'il est devenu enfin possible de saisir l'originalité de cette pensée libertaire en train de naître, une originalité qui tient à son étrange référence : l'anarchie. Comme aujourd'hui, l'anarchie a toujours été une notion à la fois négative et familière, synonyme de chaos et de pagaille. Avec Proudhon, Déjacques, Coeuderoy, Courbet, Bakounine et quelques autres, elle acquiert pour la première fois une signification positive. [1]Contrairement à ce que l'on croit parfois, cette référence positive n'est pas d'abord une provocation. Et elle ne relève pas non plus d'une autre erreur que l'on commet souvent à son propos et qui, d'une autre manière, cherche également à désamorcer la bombe théorique et pratique que constitue le concept d'anarchie. En effet, en acceptant, du bout des lèvres, de sortir cette notion de la vulgarité et du mépris réprobateur qui l'entourent, les sciences politiques veulent bien, éventuellement, accepter d'en faire une sorte de modèle constitutionnel théorique, à côté d'autres beaucoup plus empiriques : la monarchie, l'oligarchie, la dictature, la démocratie par exemple. L'anarchie serait un système politique utopique qui se caractériserait par l'absence de gouvernement, un système politique qui (pourquoi pas si des gens veulent y croire et tenter, démocratiquement, d'en convaincre les autres), pourrait arriver un jour, peut-être, dans un avenir aussi lointain que le jugement dernier. Mais comme le montre justement le renouveau de la pensée libertaire de ces trente dernières années, l'anarchie positive qui apparaît au milieu du XIXe siècle n'est ni une provocation, ni une utopique notion de sciences politiques. L'anarchie n'est pas non plus un idéal, une société parfaite que les rêveurs auraient dans la tête, au temps où l'on rêve, quand on est jeune donc, une belle idée, mais irréalisable comme toutes les idées parfaites, vers laquelle on se contenterait de tendre, et dont la possible réalisation s'éloignerait au fur et à mesure que l'on devient vieux. Pour ses inventeurs, l'anarchie est un concept éminemment empirique et concret, le seul capable de rendre compte de ce qui nous constitue présentement, et alors même que les injonctions et les mises en ordre réalistes de l'économie, des constitutions politiques et des religions, ne sont que des formes illusoires et trompeuses dans ce qu'elles se donnent à voir, d'autant plus contraignantes et visibles qu'elles sont illusoires et trompeuses, qu'elles dénient l'anarchie des choses et des êtres. Dans la pensée libertaire naissante, anarchie et réalité sont synonymes.

L'anarchie n'est pas d'abord en aval, dans un avenir indéterminé, mais en amont et comme déjà là, et ceci à travers deux visages distincts et pourtant indissociables. L'anarchie renvoie tout d'abord à sa signification à la fois la plus ordinaire, celle de désordre et de confusion, mais aussi la plus savante, celle d'absence de principe premier (an-arkhé). L'anarchie c'est le multiple, la multiplicité infinie et la transformation incessante des êtres, le fait que toute chose est constituée d'une multitude infinie de forces et de points de vue en perpétuel changement, d'une multitude infinie de modes d'être et de possibles qui s'entrechoquent, se composent, se défont et se détruisent sans cesse, en aveugles, et qui exigent sans cesse des mises en ordre oppressives et coercitives où certains dévorent, exploitent et asservissent les autres, se dressent au-dessus d'eux, à la manière du Capital, de l'Etat et de la Religion, en provoquant de nouveaux troubles, de nouvelles révoltes et de nouveaux combats, le plus souvent tout aussi aveugles et désespérés. Bref, l'anarchie dans sa première acception, c'est cette histoire pleine de bruits et de fureurs, racontée par des fous à des idiots, dont parle Shakespeare, l'histoire que chacun vit tous les jours, qu'il constate sans cesse en lui et autour de lui et que les mises en ordre de la science, des livres d'histoire, des cartes d'identité, de la morale et des prescriptions religieuses, malgré leurs mensonges, leurs simplifications et leur violence, ne parviennent jamais à masquer complètement.

Mais la notion d'anarchie, si réaliste dans le pessimisme de ce qu'elle dit, possède également une seconde signification intimement liée à la première, que l'on ne peut pas séparer d'elle. Et c'est à que réside l'originalité et l'intuition philosophique des premiers théoriciens de l'anarchisme. Que disent-ils ? Ils disent que cette anarchie première et réaliste de ce qui est, des choses et des êtres, cette affirmation du multiple au dépend de l'un, de la transformation incessante au dépend de l'identique, du désordre au dépend de l'ordre, du discontinu au dépend du continu, de la différence au dépend du même, est justement la condition et la chance, non seulement d'une émancipation des êtres humains mais de l'affirmation d'un monde et d'une vie libérés des mutilations et des pertes de possibles qu'entraînent le hasard des heurts et des associations destructives, mais aussi toutes les tentatives autoritaires pour maîtriser ce hasard, unifier le multiple et ordonner l'inordonnable. Comme Spinoza et Leibniz avaient pu déjà l'affirmer et le pressentir, l'anarchie du réel offre la possibilité de construire, de façon volontaire, de l'intérieur des choses et des situations, un monde pluraliste où les êtres, en s'associant, et sans jamais renoncer à leur autonomie première (pourtant si fragile et éphémère), ont la capacité de se libérer de la servitude, de libérer et d'exprimer la puissance et les possibles qu'eux, les autres et le monde portent en eux-mêmes.

En d'autres termes encore, l'anarchie de Proudhon, de Déjacque, de Coeuderoy ou de Bakounine, c'est principalement deux choses, d'égale importance et qui vont toujours ensembles.
1. L'anarchie c'est un concept philosophique, un concept majeur dont seul le caractère radicalement explosif, au regard d'un grand nombre d'autres notions, peut expliquer le dédain ou l'ignorance dont il a fait l'objet dans le champ philosophique ; un concept qu'avec Deleuze on peut, non définir bien sûr, mais caractériser ainsi : « l'anarchie, cette étrange unité qui ne se dit que du multiple ».[2]
2. Mais l'anarchie n'est pas seulement une notion philosophique. Comme tous les vrais concepts c'est également une Idée particulièrement puissante, une idée pratique et matérielle, un mode d'être de la vie et des relations entre les êtres qui naît tout autant de la pratique que de la philosophie ; ou pour être plus précis qui naît toujours de la pratique, la philosophie n'étant elle-même qu'une pratique, importante mais parmi d'autres.

[1] Sur le surgissement de cette signification positive, voir, a contrario ou par défaut pourrait-on dire, M. Deleplace, L'Anarchie de Mably à Proudhon (1750-1850), histoire d'une appropriation polémique, Lyon, ENS Éditions, 2000. Trois essais de philosophie anarchiste - Introduction 3

[2] 2. G. Deleuze et F. Guattari, Mille plateaux, Paris, Éditions de Minuit, 1980, p. 196.