terça-feira, 21 de abril de 2009

Crônicas da Educação II

O Fim... de Turno

Estava eu, singelo professor, saindo da sala de aula no 4º horário a caminho de outra para completar meu turno, enquanto pensava nos problemas cotidianos: alunos com déficit de atenção, problemas familiares, carência econômica e emocional, meu salário que não dava para pagar as contas, a revista que eu queria assinar, mas teria que adiar novamente, o pagamento do aluguel atrasado, etc. Quando de repente, ao passar em frente da vice-direção, uma conversa me alcança:

- Você é o vice-diretor?

- Sim, sou eu, bom dia!

- Só se for para você, porque eu deixei um monte de serviço em casa e meus filhos pequenos sozinhos para vir aqui.

- Qual o problema?

- Eu é que sei... Simplesmente me chamaram, meu filho disse que eu teria que comparecer na escola.

- Certo, quem a chamou?

- Não sei.

- A Sra. recebeu um bilhete, um comunicado?

- Sim, mas deixei em casa.

- Entendo...

- A Sra. leu o bilhete?

- Claro que eu li!

- Quem a convocou? Qual a pedagoga?

- Não sei, como posso saber?

- Estava no bilhete que a Sra. leu!

- Não me lembro, e agora?

- Tudo bem, temos três pedagogas, cada uma com 7 turmas, diga-me apenas o ano (série) em que seu filho estuda?

- ah... Não sei... Acho que é 7ª ou 8ª...

- Tudo bem, me fale a data de nascimento dele que eu o procuro no sistema.

- Data de nascimento, ah... Deve ser 3 ou 5 de maio; não, não, acho que é abril...

Como a turma do 5º horário já me esperava à porta, não pude ouvir o final do diálogo entre o vice-diretor e a mãe do aluno... Foi melhor assim!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Crônicas da Educação I

Um Ônibus Quebrado

Estava eu no ônibus pensando em nada, quando uma conversa me invadiu:

- Nossa, mas esses alunos de hoje são tão burros, não gostam de ler, não sabem e não querem escrever e quando tiram notas baixas, aí vem os pais reclamarem e a culpa recai sobre nós, a culpa é do professor.

- Então, a gente tem que ensinar até a sentar, só querem saber de internet, site de relacionamento, televisão e videogame. Ainda bem que nem de computador eu gosto.

Quando de repente o ônibus pára, faz-se silêncio, o motorista desce, olha o motor e desbriado volta e diz ao cobrador:

- Zé!?

- Fala?

- Liga para empresa, chama o reboque esse aqui já era!

É quando um dos interlocutores volta a falar:

- Era só o que faltava, vou chegar atrasado na outra escola e o diretor lá não quer nem saber, manda falta!

- Pois é, esse é o Brasil, e depois vem político dizer que quer melhorar a educação, os professores nem trabalhando três turnos têm dinheiro para comprar carro.

- Então... Ei veja!

Fala para o outro, mostrando a placa com o nome da rua onde o ônibus quebrou.

- O quê?

- Olha ali na placa, brasileiro não tem nem criatividade para colocar nome nas ruas, vê se aquilo é nome: Gustavi Flauberte.

- E eu não sei, são um bando de ignorante, também olha só quem é presidente.

- Mas, mudando de assunto, se viu ontem no Big Brother, quem foi para o paredão?

Nesse momento, meu olhar capta uma cena inusitada, logo a frente um jovem alheio àquela conversa lê “1984” de George Orwell.

Que trágica e desconfortável coincidência, para um professor como eu!

O Eu sem o Outro: O paradoxo de nossa sociedade



Em nossa sociedade atual temos medo de viver em autonomia. A liberdade não é mais desejada, e sim sentida como perigosa. A participação política é um fardo, uma ocupação cansativa que onera o já oneroso cotidiano do trabalho. As pessoas se fecham dentro de si mesmas, se recolhem à segurança de suas vidas privadas e privativas, ao recanto da intimidade. O outro se tornou um incômodo, um excesso que não se pode mais perder tempo com ele.

Pensar no outro é perder tempo com a própria vida, com seus próprios problemas pessoais. O altruísmo é um luxo, nos contentamos apenas em lamentar as mortes, as desgraças e infortúnios alheios que aparece aos montes na televisão e nos meios populares de imprensa. Isso é um sintoma do pouco valor que damos aos fatos alheios a nossa vidinha, pois se nos afetassem realmente, jamais conseguiríamos dormir em paz depois de assistir ao telejornal.

Ao contrário, trata-se de um anestésico que ao mesmo tempo em que nos dá a falsa impressão, aos outros e a nós mesmos, de que nos importamos com o além de mim e de que os outros se importariam comigo, também nos passa a idéia de que sentimos muito, mas não podemos fazer nada, pois nossas obrigações individuais nos tiram todo o tempo que teríamos para pensar e ajudar o outro efetivamente.

Existe em nossa contemporaneidade uma cisão entre o eu e outro, componentes do indivíduo na modernidade clássica. Vivemos o indivíduo-eu e é óbvio que isso nos impossibilita de vivermos em sociedade e ao mesmo tempo que tentamos recusá-la, fugir dessa sociedade que negamos, da necessidade do outro, da complementação do eu, refugiando em si mesmo, reivindicamos internamente, inconscientemente a alteridade do outro aquela mesma que nós mesmos negamos. Transferimos a nossa responsabilidade para outro, para o governo, para o patrão, etc. É, em suma, um beco sem saída.

Não queremos romper com a nossa rotina torturante e talvez nem podemos, pois essa mesma rotina aprisiona a imaginação para além dela, de nós mesmos. Como no mito de Ulisses que tentava libertar seus companheiros do feitiço que os transformaram em porcos e quando os mesmos ficaram sabendo que ele tinha o antídoto, fugiram todos se recusando a serem libertos do estado animal em que estavam.
Atualmente, nos recusamos a sair da caverna, pois a luz nos dá medo, nos assusta. As trevas, ao contrário do que os filmes de terror propagam, nos dá segurança e calma. Sem a luz para nos mostrar o que nos assusta não podemos nos assustar. É como na casa do terror de qualquer parque de diversão, sem a luz não podemos ver as caveiras, os vampiros é só com a luz que podemos gritar de medo. Se não podemos enxergar, logo não podemos decidir, nem opinar e nem andarmos por conta própria. A desresponsabilização é um porto seguro que embora não nos traga aventuras também não nos traz riscos. Preferimos nos submeter aos erros cotidianos de vidas sem sentido a termos a responsabilidade de impormos a nós o nosso próprio sentido.

O aluno com medo de aprender se esconde em sua ignorância. É como se a vergonha de cair da bicicleta fosse tão terrível a ponto de preferir nem tentar aprender a andar de bicicleta. Por isso, o videogame é o brinquedo da nossa época, porque só socializamos o jogo quando já o dominamos, não há a vergonha dos erros, pois não se compartilha o jogo antes de aprendê-lo na solidão. A interação, se é que podemos chamar dessa forma, a relação entre menino e a máquina é passiva, sem comentários, sem críticas alheias. Os jovens de hoje não estão preparados para crítica, toda contrariedade é tida como ofensa ou maledicência, por isso, mais do que antes se refugiam em hábitos fabricados pela mídia ou pelos produtores de comportamentos do momento. Nada é mais seguro do que fazer o que todos fazem.

É por isso também que a customização é uma marca de nosso tempo, ao mesmo tempo, em que imitamos os produtores de comportamento adaptamos a nossa individualidade, aquilo que é só nosso, ou que achamos que seja, pois a customização também se massifica, pois é, por outro lado, a retroalimentação do mercado, o aproveitamento de seus dejetos para novos fins, é a multiplicação dos pães das mercadorias, é a reprodução infinita dos mesmos por meio da mudança de detalhes que pouco os diferenciam, um corte aqui outro acolá, um descosturado na coxa outro no joelho e assim a mesmice e a uniformidade é reproduzida como se não fosse o mesmo e nem o uniformemente igual.
A beleza, hoje em dia, está na ignorância, no não-saber.
A liberdade é poder fazer igual aos outros.
A paz é não ser importunado por problemas alheios.