quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

NO LIMIAR DO PENSAMENTO

A tempestade elétrica
sorri por entre as nuvens negras
é o aviso de que tem alguém lá...

A noite passa depressa
feito sangue em alta pressão arterial
meu medo corre frio por entre as veias
e meus olhos arranham pela calçada.

O mundo parece um circo apagado
e eu olho no espelho
e vejo as asas bobas
de quem não aprendeu a voar.

As motos movida a estupidez
passam provocando meu cabelo
daqui tudo é mais calmo e preguiçoso
de perfeito só resta o amor
incompatível com a imperfeição: NÓS!

Tudo é questão de tempo
para que tudo acabe
seu beijo é um vento
de um dia de agosto,
que sopra meu rosto
para não te ver.

Só se é livre de verdade
quem já esteve preso.
(Oscar Wilde sabe muito bem disso).
Não sou eu somos nós se debatendo
brigando por uma chance de tomar o lugar do outro,
uma chance de se expressar,
uma chance de se impor,
de ser mais...
EGOÍSTA.

Enquanto o chuveiro molha
a mente gira destruindo os muros
com as palavras de Kurt Cobain
que arranham os ouvidos prazerosamente
ao mesmo tempo em que é cruel.

Os olhos se debruçam em Lucien Febvre
e os cantos dos lábios sorriem por Marx
pensando alto pelos paralelepípedos da vida
vivendo pouco, amando muito.

Basta!

Queria esquecer tudo
tudo que ficou para traz, mas ainda está tão presente
não adianta é inexeqüível.
O tempo é contínuo e devasso.
Se eu esquecesse o que eu fiz
não teria razão para as lágrimas
e elas são tão belas.
As ondas vêm e vão
e nunca igual a outra
porque existe a memória e dela também é feita a nossa vida.


11/12/1998

sábado, 24 de janeiro de 2009

HÁ DIAS QUE NÃO SE PODE ABRIR OS OLHOS

Meus pés incharam
e a vergonha que escorre da testa
Inunda todo o caminho.

A noite me abraça sedutora
com o hálito das mulheres embriagadas.

A solidão repousa em seus olhos
contradição pura com seus gestos:
- que é uma ogiva nuclear me abraçando.

Há nestes momentos
um poste de luz
iluminando a esquina escura... Tentei correr,
procurar o manto negro dos seus cabelos...

Mas tudo que encontrei
foi o sol se esfregando
em meus olhos ao amanhecer
com a sua luz pretensiosa e indesejável!!!


início de 1998

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

PASIÓN

Já vivi tantas histórias
E embora saiba
Que nem todas são “verdadeiras”
Adoro pensar que são.

E afinal o que é verdade
Aquilo que é?
Ou aquilo que pensamos ser?

Fernando Pessoa esteve aqui
E me disse: ”sou quem falhei ser”
E agora olhando estas paredes
Sujas de pensamentos
Rabisco algumas coisas na cabeça:
Eu não sou mais
Sou só... O desejo de ser
Aquilo que nunca serei.
E isso já é o bastante


1999

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Conto Policial I: Paixão segundo...




- Ah, oh, nossa deve ser maior que o meu, meu soldadinho de chumbo...
“O celular toca uma música brega”.
- Não, não atende, não pára, eu vou cobrar mais caro, não, não, ahh...
- Alô, Detetive Camargo! Quem? Certo, o que mais? Quando? Onde está o corpo? Envenenamento, no pescoço... Estou indo...
- O quê? Isso vai lhe custar caro meu soldadinho de chumbo...
- Aqui está... isso cobre o serviço.


“Numa casa qualquer de um subúrbio qualquer...”
- Oh... Camargo, que demora, tive que subornar o legista para segurar o presunto...
- Foi um contratempo, a propósito, tem uma bebida? A minha reserva acabou.
- Camargo, cê tem que parar com isso... sua carreira está indo pro buraco, desde que seu casamento...
- Por que não vai buscar uma naquele bar da esquina, eu trabalho melhor sozinho, você sabe. Peça apenas para aquele troglodita deixar eu entrar, eu esqueci minha credencial de polícia civil.
- Esqueceu!?, sei, desde do dia em que espancou aquele pedófilo, né?
- Senhor, não pode...
- Ok. Ele tá comigo, deixa ele entrar, vê se não demora ou esse presunto vai começar a feder. Vou lá no boteco.

Vamos lá, Camargo concentre-se...
Vamos ver o que temos aqui: um corpo sentado numa cadeira, debruçado na mesa, com a cabeça em cima do livro, hum?
Causa mortis?
Nem uma perfuração aparente, nem marcas de estrangulamento... a não ser a morte fulminante, provavelmente, envenenamento.... mas, se levantarmos a cabeça, acho que você não pode me ver agora, heim? Sem vestígios de resistência, certeza, foram tirados depois de morto, nenhum sangue, muito higiênico. Interessante...
Ahh, aqui está o livro que Plínio me falou por telefone? “Paixão Segundo GH” de Clarice Lispector, acho que li um dela para fazer vestibular, acho que é uma poetiza... concentre-se Camargo, fixe nos detalhes importantes... ó, o que temos aqui, um cupom fiscal, Livraria Cultura, nossa!, ter cultura hoje em dia custa muito caro... também, nem sei quanto tempo não compro livro, Camargo!... bom, vamos lá, ele, ou quem quer que seja pagou pelo livro às 17:53, calculando a distância, ele deve ter chegado há 1 hora mais ou menos, vamos ver,... corresponde, uma marca na 23ª página do livro,... hum! isso quer dizer, que ele foi atacado logo depois que sentou para ler, ou apenas folheava, hum... ainda não está completamente frio, hum... vamos ver, não houve arrombamento, estranho, morar nesse bairro e deixar a porta aberta?

- E aí Camargo? Não dá mais para esperar, o presunto tem que ir, o que descobriu?
- Preciso de informações? Plínio, você disse que esse é o terceiro corpo que morre sobre este livro?
- Positivo. E até agora é única pista que temos, o secretário já está sendo cobrado, hoje ele deve dar o depoimento, a pressão está aumentando, por isso eu achei...
- Que eu, um detetive afastado por abuso de poder, pudesse ajudar aqueles que me fod..., ok? Onde está meu conhaque?
- Aqui. Não me olhe assim, eu sou seu amigo... me ajuda, eu sou responsável pelo caso, me dê uma dica, ...
- Já havíamos colocado todas as livrarias da cidade sob aviso, quando alguém comprasse este livro, mas quando chegamos já era tarde.
- Ainda bem que não é um Best Seller, já pensou se fosse o “Código da Vinci”?
- Não faça chacota, Camargo, a coisa é séria?
- Não estou fazendo chacota, essa foi a minha dica, porque você não usa o cérebro de vez em quando? Glu, glu, glu...
- Como assim?, para com esses códigos, sabe que eu odeio adivinhações...
- É mesmo?, deve ser por isso que você está no departamento criminal, hahaha, todo mundo lá odeia...
- Camargo, falo sério.
- Ok!, mas é isso, os três não foram comprados na mesma livraria, foram?
- Não. Mas,...
- Deve ter mais de 6 meses de um crime para o outro, certo?
- É... deixa o ver... 1 ano do primeiro assassinato na Moóca, 2 anos do Belenzinho e agora esse; sim, isso mesmo. Até demoramos para ligar os fatos e ver as semelhanças...
- As outras vítimas também tiveram os olhos arrancados, certo?
- Sim.
- Sem arrombamento também?
-Sim, mas eu não entendo a ligação.
- Você estava certo. É um serial killer.
- Sim, mas...
- É um conquistador, digo, conquistadora...
- Tá, mas é só isso?
- Plínio, você percebeu que havia um embrulho de presente em todos os livros da vítima, não?
- Ahh, claro, sim, sim, isto é, como você sabe? Ahh, deixa para lá...
- Foi o que pensei...
-Ouça!: A criminosa deve ser apaixonada pelo livro, não sei do que se trata a história, aliás, posso ficar com este?, eu peguei sem avisar...
- Claro que não, faz parte dos autos, ahh, fod... continua, Camargo.
- Pois então, deve ser uma mulher solitária, frustrada, tímida, que demora arrumar parceiros, é do tipo romântica que procura uma alma gêmea é aí que entra o livro...
“Pára para sorver um outro gole de conhaque”.
- Ela dá o livro para o parceiro e pede para dizer o que acha, todos, creio, não gostam ou recusam a ler, ou, talvez, não o entendem, é nesse ponto que ela, frustrada e incompreendida, injeta o veneno na nuca...
- Por isso não há arrombamento. Mas, pode não ser nada disso também...
- Genial, Camargo, te trago até aqui e tudo que você me fala já está nos jornais. Diz aí como podemos pegar essa vadi...?
- Não podemos!
- Como assim? Requisitaremos as câmeras da loja...
- Não adianta, nem todas têm câmeras, ela é esperta, mas vai atacar de novo...
- Está me dizendo que teremos que esperar pela próxima vítima?
- Mais ou menos isso, o que temos é apenas um perfil, nem isso, uma sombra, um quebra-cabeça sem muitas peças...
- Se me chamaram, é porque já tentaram as impressões digitais, certo?
- Sim, não há rastros.
- Hum,... como pensei, ela limpa tudo antes de sair, deixa apenas o que quer, isso mostra intimidade, pelo menos para adentrar a casa e sair sem deixar suspeitas...
- E os vizinhos?
- Não conhece, ele é novo aqui, alugou o quarto a um mês mais ou menos, o inquilino disse que era para um casal, mas nunca viu a mulher...
- Foi o que pensei... Na Mooca, no Belenzinho, o fato se repete, não?
- Sim, na Mooca, o inquilino já havia alugado há uns dois meses.
- É, isso é o suficiente.
- Suficiente?!
- Não há mais nada a fazer, pelo menos por enquanto...
- Como? Temos que descobrir quem está fazendo isso, quer dizer, pensei que iria me ajudar, pô Camargo!
- Eu vou, por isso estou levando o livro.
- Mas isso não resolve o caso!
- Eu sei,...
- Como assim, eu sei, você disse que iria me ajudar.
- Eu vou... farei o que me resta...
- Ler um livro, tá de brincadeira comigo né?
- Não, se fosse você comprava um... “Paixão Segundo GH”. Assim, quem sabe vai conhecê-la melhor até o próximo crime ou...
“Outro gole”.
- Pelo menos terá grandes chances de escapar se ela te escolher... hehehe
- Não tem graça.
- Boa leitura!