domingo, 24 de fevereiro de 2008

Resenha sobre "A I Internacional e a gênese histórica do internacionalismo proletário: passado, presente e futuro" de Roberto Barros

O texto sobre a Primeira Internacional peca, entre outros motivos, por ser claramente favorável a uma das correntes da Internacional, o marxismo e por deixar entender que a Internacional, pelo menos seu aparato ideológico e burocrático, tenha sido obra de um homem só, Marx. O autor demonstra certo desconhecimento a algumas obras de Marx e, embora cite A Guerra Civil na França, deixa transparecer que desconhece o teor desse escrito em que Marx revia sua posição sobre a Ditadura do Proletariado e acusava uma ligeira aprovação ao método Federativo da Comuna. Parece-me, assim, pois o autor adota a interpretação de Engels de 1891, do prefácio da edição comemorativa dos 20 anos da obra, quando este tentava camuflar essa repentina mudança na concepção de estratégia do marxismo. No prefácio, Engels, canhestramente tentava fraudar A Comuna alegando que sua organização federativa era o que ele e Marx chamavam de Ditadura do Proletariado. Dessa forma, Roberto Barros equivoca-se em ver no fato de a maioria dos comunards serem de outras vertentes do socialismo como o blanquismo e, predominantemente, o proudhonismo como uma contradição, quando na verdade era a expressão coerente de sua organização política. E isso fica claro no texto de Marx, embora vinte anos após, Engels se esforçaria no prefácio para amenizar este "desvio" de Marx da ortodoxia que se tentava criar na II Internacional. O Marx da Guerra Civil na França, ressalto, tendia claramente a apostar em outro método de organização revolucionária não mais baseada na Ditadura do Proletariado, mas na experiência federativa da Comuna.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Sobre Foucault, História e Anarquismo em Margareth Rago

Apesar do fócuo do artigo ser um discussão infrútifera: a identificação ou não de Foucault ao anarquismo, o seu desenvolvimento supera esta inutilidade, pois ao tentar demonstrar que teoricamente a filosofia foucaultiana se aproxima muito dos ideais libertários de luta, a autora nos revela algumas das alternativas políticas possíveis na atual sociedade de controle que reoganiza os mecanismos de domínio da sociedade disciplinar. Nesse sentido, Rago, com base nas problemáticas levantadas por Foucault, principalmente, em relação ao objetivo de Foucault em construir uma contra-memória se utilizando de estratégias tais como: o uso do burlesco, a dissociação sistemática da identidade e a desmitificação do sujeito do conhecimento, que segundo as filosofias tradicionais se constituia como totalidade, como essência, como continuidade, etc. Nessa desconstrução da história supra-histórica, a filosofia foucaultiana se mostra mais próxima das estratégias da ação direta que combate todos os dias contra os inimigos imediatos, contra os poderes e micro-poderes contituídos. Nesse sentido, a autora encontra um argumento forte que pode vir a sustentar a proposição de que Foucault foi um anarquista teórico, embora, insistimos que a identificação do mesmo com a teoria e prática libertárias não altera em nada nem os anarquismos nem a filosofia de Foucault.Ao final do texto, retomando um escrito de Deleuze, A sociedade de controle, sobre Foucault, é possível vislumbrar as táticas anarquistas como máquinas de guerra contra os aparatos de Estado e suas redes de controle social.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Sobre a Anarquia de Malatesta


"A Anarquia" de Malatesta é um escrito de propaganda política que procura responder a várias questões fundamentais do anarquismo e se defender das mais diversas críticas a que os anarquistas estavam submetidos. O que motivou Malatesta a escrever tal panfleto foi as problemáticas levantadas pelas discussões de alguns temas espinhosos e muito importantes para o socialismo, seja ele o anarco-comunismo evolucionista inspirado em Kropotkin, seja o anarco-comunismo organicista ao qual Malatesta se filiava ou mesmo o socialismo autoritário de vertente marxista.
O texto em si procura desmitificar alguns clichês que desqualificavam os anarquistas com alcunhas depreciativas do tipo revolucionários românticos, que estavam excessivamente esperançosos na bondade humana e totalmente utópicos quanto exequibilidade de seus ideais libertários.
Errico Malatesta esclarece alguns temas caros ao socialismo a partir da perspectiva anarco-comunista que valorizava o papel da organização operária no preparo da revolução e da própria criação comunista libertária no futuro. O autor começa por explicar o significado da noção de anarquia tão pouco entendida e também pouco estudada. Talvez, por isso, atacada por inúmeros preconceitos.
Malatesta insiste que a anarquia é uma sociedade sem governo e que isso, de modo algum deve significar bagunça, desordem ou falta de organização, pois o governo em si, não é necessário como muitos nos fazem pensar, ele é uma instituição que surge a partir da propriedade privada com a função de defendê-la, então, seu objetivo não é a organização da sociedade, mas a defesa do estabelecido.
Ao contrário do senso comum que pensa, por nascer em meio à dominação de classe, que o governo é que cria a sociedade civil, o que se vê, é o contrário, pois o governo é por ela criado e se aproveita vampirescamente das forças sociais para impor e exercer seu domínio.
Malatesta faz uma distinção entre governo e Estado, sendo este a forma que o governo se apresenta e aquele a coletividade dos governantes, com isso, quer deixar claro que os anarquistas não querem apenas abolir o Estado, descentralizando o governo, e sim abolir o próprio governo na forma de um Estado, ou seja lá a forma que ele assumir. Os anarquistas não se contentam em impor seus ideais à força, por coerção, para eles é fundamental a conduta moral, se a revolução anarquista acontecer, será pelo convencimento racional e afetivo, pelo exemplo da solidariedade.
É por isso que a liberdade é muito cara aos anarquistas inclusive na preparação cotidiana da revolução, por meio da propaganda e pelo exemplo. Esta, do ponto de vista da ética libertária, tem que ser feita pelos operários, a violência só é tolerada para abolir o monopólio do poder de Estado e o regime de propriedade privada, daí para frente o diálogo e a solidariedade deve imperar. Diferentemente dos liberais, a liberdade de um não termina na do outro, mas, ao contrário, a liberdade de um só é válida quando compartilhada em pé de igualdade com as dos outros. Não há liberdade sem igualdade de condições. A igualdade e o convívio solidário e fraterno são as condições para liberdade anarquista.
O parlamentarismo em certo sentido é o meio mais eficaz que a burguesia encontrou para exercer seu domínio, seu governo, enfim, obter o controle do Estado e manter em suas mãos o monopólio do poder, por trás de uma suposto direito de escolha que só serve para legitimar seus interesses.
Nesse sentido, Malatesta questiona: são eles eleitos pelo sufrágio universal? Mas então o único critério é o número que, certamente, não prova a equidade nem a razão, nem a capacidade. Serão aqueles que sabem enganar melhor a massa que serão eleitos, e a minoria, que pode ser a metade menos um, será sacrificada: e isso sem contar que a experiência demonstrou a impossibilidade de encontrar um mecanismo eleitoral pelo qual os eleitos sejam pelo menos os representantes reais da maioria.

Embora fique claro seu descontentamento pelo sistema parlamentar, Malatesta, que viveu encarcerado em sua própria casa durante o fascismo italiano, opta entre democracia liberal e ditadura, obviamente, pelo primeiro, porém, sem deixar de apontar o que, em sua opinião, trata-se, em última análise, de uma estratégia burguesa para legitimar seus interesses.
Ele deixa claro que o governo é na verdade uma sanguessuga da sociedade e que a organização desta não deve nada a ele. Assim, Malatesta, começa a delinear as estratégias de seu discurso e a rebater as rejeições aos ideais anarquistas. Tanto de liberais, que preferem deixar as coisas acontecerem por si mesmas, porque sabem que serão favoráveis à classe economicamente dominante, quanto de socialistas autoritários, defensores da idéia preconceituosa, que contaminou por séculos e séculos os trabalhadores, de que o governo era um mal necessário, inclusive para impor o socialismo por meio de uma ditadura do proletariado.
Para os anarquistas, o governo além de não ser necessário, ele é inútil e demonstra que até mesmo em uma sociedade capitalista as pessoas tendem a viverem melhores sem ele. O problema é que o povo de maneira geral tende a deixar que outros tomem a liderança de suas vidas, se eximem de escolherem seus próprios caminhos, de determinarem o rumo de suas próprias vidas, conquanto que os deixem em paz.
Os anarquistas lutam também contra essa letargia da sociedade que se deixa dominar pela disciplina e autoridade impostas ao preço de não se preocupar com isso. Para os anarquistas, pensa Malatesta, esse tipo de conduta deve ser mudado pelo convencimento, através da propaganda e da educação, para que os trabalhadores, responsáveis por toda a dinâmica e sustentação da sociedade, sejam também responsáveis por sua gestão. Sem essa conquista do coração das massas, não há e nem haverá revolução.
A democracia liberal é apenas uma outra maneira de opressão política, o anarquismo reconhece vários dispositivos entre os quais, aqueles que se fundam no privilégio político, no econômico, numa melhor educação, etc. A democracia representativa utiliza de vários dispositivos, mas o fim é o mesmo de quase todos os governos, o de proteger a propriedade privada e os privilégios de quem está no poder, com a vantagem para a burguesia, de que aparentemente, o povo pode escolher seu representante e de que este de fato irá representá-lo.
É nesse sentido que os anarquistas defendem a luta direta e a flexibilidade da estratégia de acordo com as circunstâncias. Mas embora, Malatesta reconheça a importância do instinto de solidariedade e de revolta, tão alardeados por coletivistas quanto por anarco-comunistas da linha de Kropotkin, sendo que este fundamentava a ética anarquista e a própria anarquia no apoio mútuo, um dos fatores da evolução humana, juntamente, com a seleção natural; o anarco-comunista italiano, por outro lado, não concebe outra alternativa que não seja a violência revolucionária e a criação de um partido que organize a classe para derrotar o governo capitalista. Tal partido não se confunde com o sentido que a burguesia lhe confere, não almeja ganhar eleições e nem ser o pseudo-representante do povo, mas instruir os indivíduos massificados ao lado deles que se forme uma classe consciente de seu papel e de suas possibilidades.
Malatesta, assim, diferentemente, da linha kropotkiana não acredita numa evolução social que culminaria numa sociedade anárquica. Apesar de confiar no desenvolvimento da sociedade e seu progresso técnico e cultural à ciência, isto segundo Malatesta não levaria a uma sociedade igualitária, simplesmente, por ser o mais razoável e ecologicamente eficiente (pois o planeta não estaria vivendo seus últimos séculos nesta espiral consumista suicida), diferentemente, ele dá ênfase à luta direta entre as classes, a uma revolução violenta contra o Estado e ante a propriedade privada. Por isso, mira em princípios éticos e em condutas morais que comporiam uma revolução ampla, que, ao contrário, do que o socialismo autoritário proclamava, não poderia, segundo Malatesta, ultrapassar certos limites e nem formar de antemão um conteúdo programático que fosse imposto à força a todos aqueles que fosse contrários, até mesmo por meio do debate, e nesse caso, deveria ser, legitimamente, na perspectiva dessa antiética, serem considerados contra-revolucionários.
Para o anarco-comunismo organicista de Malatesta, nem a inércia que concebia a anarquia como evolução inexorável da sociedade rumo ao comunismo, nem a revolução sem princípios éticos que tudo pode e tudo deve ser feito em prol de seu ideal, mesmo que o fim seja tão bom como é o caso do socialismo, seriam justificáveis. Em sua perspectiva organicista, os fins não justificam os meios, porque esses devem estar coerentes com o fim almejado. Não dá para criar uma sociedade igualitária e livre sem uma estratégia condizente com esses objetivos. Mesmo que por tal método, seja mais penoso e demorado, mas é preciso não provocar atitudes fascistas e nem criar totalitarismos a partir de uma revolução socialista, como a história já demonstrou ser possível. E ainda que tal estratégia não fosse vitoriosa, jamais poderia ser culpada de cometer barbaridades em nome da liberdade e, mesmo que não restasse mais nenhum anarquista no mundo, ainda assim, a ética libertária nos serviria de lição: o comunismo só pode ser alcançado por meios igualitários e livres.
A ação e o pensamento libertários se adequam aos fatos, as possibilidades de luta, muito mais que o socialismo autoritário que já vai à luta com um programa dogmático, com um receituário a seguir pelos revolucionários. Para Malatesta, a luta direta dos anarquistas pode se configurar conforme a realidade da guerra, pode constituir-se tanto numa sociedade de resistência, que cultive os ideais éticos de liberdade mesmo em um contexto fascista e opressor, como constituir-se numa formação de ataque que tente abolir a propriedade e o governo e formar uma sociedade autogestora, baseada na igualdade, na liberdade e na solidariedade entre os seus membros.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Comentários Singelos sobre As Cartas de Bakunin.

Bakunin nos mostra que tanto Marx quanto Mazzini confundem uniformidade com unidade: "Estes doutrinários e estes autoritários, Mazzini tanto quanto Marx, confundem sempre a uniformidade com a unidade, a unidade formal dogmática e governamental com a unidade viva e real, que só Pode resultar do mais livre desenvolvimento de todas as individualidades e de todas as coletividades e da aliança federativa e absolutamente livre, na base de seus próprios interesses e de suas próprias necessidades, das associações operárias nas comunas, e, para além das comunas, comunas nas regiões, regiões nas nações, e nações na grande e fraternal União internacional, humana, organizada federativamente somente pela liberdade com base no trabalho solidário de todos e da mais completa igualdade econômica e social".
(CARTA AOS INTERNACIONAIS DE BOLONHA, Dezembro de 1871. Instituto Internacional de História Social de Amsterdã).

Bakunin pede demissão da Federação Jurássica e da Internacional, devido não principalmente as infâmias dos marxistas, mas por se achar um velho burguês que só poderia contribuir para a revolução social como propagandista teórico, o que seria pouco útil, pois para ele o que estava faltando naquele momento ao mundo eram fatos e ações: "O tempo não está mais para idéias, e sim para fatos e para atos. O que mais importa, hoje, é a organização das forças do proletariado. Mas esta organização deve ser a obra do próprio proletariado. Se eu fosse jovem, eu me transportaria para um meio operário, e, compartilhando a vida laboriosa de meus irmãos, participaria igualmente com eles do grande trabalho dessa organização necessária.Mas minha idade e minha saúde não me permitem fazê-lo. Elas me pedem, ao contrário, a solidão e o repouso. Cada esforço, uma viagem a mais ou a menos, torna-se um caso muito sério para mim. Moralmente sinto-me ainda bastante forte, mas fisicamente canso-me rapidamente, não sinto mais as forças necessárias à luta. Eu não poderia ser, no campo do proletariado, mais do que um estorvo, não uma ajuda".

Nas últimas cartas de Bakunin predominam um grande pessimismo e daí que sua análise da conjuntura de fim de século XIX é de um realismo premonitório, pois, entre outros pontos, destaca a força reacionária do bismarkismo pangermânico e sua grande força policial contra os revolucionários, restando apenas a propaganda heróica, contra a concentração financeira em Estados Modernos que, segundo Bakunin, "devem se entredestruir e se entredevorar, cedo ou tarde. Mas que perspectiva!". É sem dúvida espantosa sua clarividência, pois, a História a seguir, ao contrário dele, nós a conhecemos bem!
In: Bakunin por Bakunin, site:
acessado em dez/07.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Guerra ou Fuga - a modernidade reinventada III

3. Revolução ou Linhas de Fuga

Muitos autores tentaram demarcar a origem da pós-modernidade, muitos apontaram para o fim da Segunda Guerra Mundial e outros tantos para a Crise de 1973 e a emergência de novas técnicas de domínio com o neoliberalismo. Mesmo considerando a importância de tais marcos, melhor do que dizer o que é a pós-modernidade é descrever como a emergência de novas estratégias de controle social foi possível e como tais estratégias puderam ser vistas como sendo novas ou como sendo posterior a algo que não existe mais ou que pelos menos tenha mudado tão consideravelmente ao ponto de suas semelhanças com o anterior existente terem sido superadas pelas suas diferenças.
O grande esquecimento dos perseguidores por origens foi o espanto, isso mesmo, a crítica pós-moderna se ramificou no úmido solo da consternação. Brotou como mato, também na seca caatinga da desilusão. A pós-modernidade só pode se entendida em sua profundidade a partir do maio de 1968.
Nesse tempo, nesse lugar estão a chave da pós-modernidade. Ele marca a bifurcação que nos trouxe aqui. Parafraseando um grande romancista inglês... [1] esse foi o tempo do sonho e do pesadelo, da certeza e das incertezas, da revolução e da fuga, da coragem e do medo, da normalidade e da esquizofrenia (talvez mais normal que a normalidade).
Foi o momento e a ocasião para o desenvolvimento de n teorias que davam conta do que estava acontecendo em sua totalidade e não entendiam nada, por tão ousada pretensão. Foi também a hora e o lugar das indignações anti-acadêmicas da academia que confundiam sem explicar e, por isso, talvez explicavam melhor o que acontecia. As revoltas mais insanas e mais racionais (também de certa forma insanas) aconteceram ali. O ânimo e o desânimo andaram lado a lado. Teóricos e antiteóricos se uniram na confusão de estudantes e trabalhadores, burguesia e proletariado no mesmo protesto sob os olhares consternados de partidos e sindicatos, que estavam tanto ou mais assustados que os patrões.
Maio de 1968 findou com a exaustão dos velhos baluartes e dos novos que já nasceram abortados. A partir dali nada mais restaria intacto, nem mesmo o mais seguro dos solos, a mais estática das naturezas conseguiria esconder mais seu dinamismo. A realidade ou alucinação não cabia mais em nada, a psicanálise e a sociologia tornaram-se ferramentas obsoletas. Não havia mais meio, qualquer ponto poderia ser o início e o fim. O conhecimento não evoluía como o iluminismo e o marxismo imaginavam...
Deleuze e sua concepção de filosofia, que se insurgiu contra onipotência do humanismo francês nos anos 60, principalmente, em oposição à sua simbiose com o marxismo feito por Sartre e Merleau-Ponty, foi um dos destaques das chamadas antiteorias pós-modernas. Herdeiro da crítica foucaultiana à concepção de sujeito fenomenológico, talvez nenhuma obra simbolize mais a multiplicidade do maio de 1968 do que o Anti-Édipo de Guattari e Deleuze.
A produção maquínica de conceitos da filosofia deleuzeana significou, ao mesmo tempo, a esperança e o pessimismo da pós-modernidade que transbordara com abundância naquele mês de 1968. Os anos 60 foram emblemáticos, tanto positiva quanto negativamente, para vários ramos de atividade humana e não foi diferente com relação às ditas ciência humanas.
As utopias modernas carregavam um clima de desilusão, a exemplo da decantada revolução que seria feita pelos operários, elas foram se tornando obsoletas, assim como seus enunciados do ponto de vista do saber não eram mais válidos diante da realidade múltipla e esquizofrênica do mundo que evidentemente já não podia ser apenas denominado de moderno. As técnicas disciplinares vigente, na modernidade não desapareceram no pós-guerra, mas foram se reconfigurando em dispositivos de controle social cada vez mais dinâmico que exigiam novas ferramentas de saber para compreendê-las.
O marxismo, grande baluarte da esquerda no mundo inteiro tornara-se um fascismo de esquerda na prática, o liberalismo não passava mais confiança depois da Crise de 1929, os partidos comunistas nos países capitalistas industrializados estavam paralisados no mundo do século XIX, disputando um jogo com as regras de um mundo que não existia mais, contra um capitalismo imperialista que não correspondia à nova reordenação econômica e que muito menos compreendia as novas possibilidades de sublevação nem via as brechas que o sistema deixava e quando percebia, ignorava-as por entenderem com recaídas reformistas.
Deleuze foi importante para ressaltar as falhas estratégicas dos discursos de esquerda, as impossibilidades de tomada de poder pela revolução, mas também foi relevante para uma reorientação da luta, da criação de novas regras para jogar o jogo do poder, para a insurreição, para os levantes, para as linhas de fuga da sociedade de controle.
Já que não se podia destruir nem o capitalismo nem o Estado[2], pelo menos tendo como base as velhas utopias e as posições defensivas em que se encontravam as forças revoltosas na sociedade de controle, era necessário criar uma nova máquina de guerra contra a burocracia tecnicista. Se não era mais possível afetar o sistema mortalmente, pelo menos, deveríamos encontrar as brechas e atravessá-lo. Contra a sociedade de controle, Deleuze propôs a máquina de guerra nômade. Contra as identidades criadas e impostas pelos dispositivos de controle, ele propôs a desterritorialização nômade. Contra o vício filosófico da lógica clássica ele criou a análise por diferenciação sem parâmetros de comparação a priori. [3]
[1] Cf. DIKENS, Charles. Duas Cidades.
[2] Para uma análise rápida das variadas reações da esquerda hoje à hegemonia do capitalismo global. Cf. ZIZEK, Slavoj. Resistir é Capitular. Revista Piauí 16, 2 janeiro 2008. A esquerda de hoje reage de maneira bastante variada à hegemonia do capitalismo global e ao seu complemento político, a democracia liberal. Pode, por exemplo, aceitar essa hegemonia, mas continuar a lutar por reformas dentro das suas regras (a social-democracia da Terceira Via). Ou pode aceitar que essa hegemonia não deixará de existir, mas ainda assim preconizar uma resistência a ela a partir dos seus “interstícios”. Ou aceitar a futilidade de toda luta, já que a hegemonia é tão abrangente que não há nada que se possa fazer, exceto esperar pela irrupção da “violência divina” – uma versão revolucionária do “só Deus pode nos salvar”, de Heidegger. Ou reconhecer a futilidade temporária da luta. Após o triunfo do capitalismo global não se renova, é defender o que ainda resta do Welfare State, confrontando os ocupantes do poder com reivindicações que eles não têm como atender. E, fora isso, nos refugiarmos nos estudos culturais, nos quais é possível prosseguir silenciosamente o trabalho de crítica. Ou enfatizar que o problema é mais profundo, e que o capitalismo global é, em última instância, um efeito dos princípios subjacentes da tecnologia, ou da “razão instrumental”. Ou postular que é possível minar o capitalismo global e o pode do Estado não por meio de um ataque direto, mas transferindo o foco da luta para as práticas cotidianas, com as quais se pode “construir um mundo novo”. Desse modo, as fundações do poder do capital e do Estado ficarão cada vez mais abaladas e, em algum momento, o Estado acabará\ desabando (o exemplo dessa visão é o movimento zapatista, no México). Ou enveredar pelo caminho “pós-moderno”, transferindo a ênfase da luta anticapitalista para as múltiplas formas de disputa político-ideológica pela hegemonia, enfatizando a importância da rearticulação do discurso. Ou apostar que é possível repetir, no nível pós-moderno, o gesto marxista clássico de incorporar a “negação” do capitalismo: com a ascensão contemporânea do “trabalho cognitivo”, a contradição entre a produção social e as relações capitalistas tornou-se mais aguda do que nunca, se4ndo possível pela primeira vez a “democracia absoluta” (essa seria a posição de Michael Hardt e Antonio Negri).

[3] Cf. DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 5.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Guerra ou Fuga – A Modernidade Reinventada II

2. Identidades móveis, fluídas... Posicionamentos do sujeito

Uma das marcas da crítica pós-moderna é o ataque à eficácia do conceito de identidade no mundo globalizado de hoje. Alguns autores como Hardt e Negri, tentaram apreender nossa realidade diferenciando o período imperialista dessa nova conjuntura por eles determinada: Império. Eles procuraram androgeniamente articular metas-teorias, principalmente, um marxismo revisado com antiteorias pós-modernas. O resultado foi uma obra híbrida e única que misturou Foucault, Deleuze e Marx sem anulá-los mutuamente. [1]
Uma das perspectivas abordadas pelos autores é a constante desterritorialização. Assim, cada pessoa em sua especificidade diferenciada torna-se incessantemente descaracterizadas, desterritorializadas e, com isso, estaria constantemente buscando novas identificações, máscaras de sociabilidade em sociedades cada vez mais indiferenciadas pelo consumo de massa e (des)raizadas por ocasião de rupturas incessantes nos hábitos e costumes, que nem chegam a se caracterizarem com tais e já acabam como modas da estação que duram cada vez menos devido ao ritmo veloz e esquizofrênico do sempre “novo” cada vez mais supérfluo e descartável.
Neste contexto, o conceito de identidade perde sua função, pois a condição de possibilidade para sua existência é suprimida e subjugada pelo processo de desterritorialização que predomina na sociedade regida pelo império.
A sociedade disciplinar típica das negociações bélicas imperialistas que marcavam e demarcavam territórios numa incessante busca por novos mercados, irradiando o poder do centro para as periferias subjugadas, impondo a culturas às técnicas disciplinares adequadas ao desenvolvimento do Estado liberal que se resguardava enquanto tal, paradoxalmente, por meio da monopolização das riquezas alheias sob o disfarce do livre câmbio entre as potências.
No pós-guerra, com a emergência de dois pólos de poderes, a conjuntura internacional propiciou novas possibilidades com o desgaste mútuo das hegemonias agravada pela crise econômica de 1973, que decretou o fim do Welfare State que tinha como condição de possibilidade a exploração imperialista que vinha degringolando desde o fim da Segunda Guerra Mundial e teve com a Guerra do Vietnã e derrota principalmente moral dos Estados Unidos, o último alento para o capital centralizador que até então predominava.
Com a crise e com o fim das condições de continuidade hegemônicas enquanto Estados nacionais clássicos, o capital e seus agentes foram se adequando e criando novas condições de hegemonia desterritorializando as economias nacionais, com a base na revolução das tecnologias de informação, nas técnicas flexíveis de produção atrelada online ao consumo, juntamente como desemprego em massa que se tornando estrutural e somado a terceirização e as técnicas toyotistas, fizeram das antigas periferias desterritorializadas, os novíssimos mercados do capital volátil e global.
Nesse processo de desnacionalização do capital que buscou os menores custos de produção redirecionando seus territórios produtores, trazendo desemprego e crise para os antigos pólos industriais, as hierarquias tornaram-se instáveis, grandes multinacionais como a GM líder do mercado automobilístico durante décadas foi recentemente superada por empresas asiáticas que se configuraram melhor as táticas novas de mercado e as impuseram, se aproveitando das altas taxas de desemprego provocadas, em parte, pela substituição tecnológica da força de trabalho, do sucateamento da seguridade e previdência social, antigos baluartes do Estado de Bem Estar Social.
Em suma, esse novo panorama seguiu regras para conter o déficit do Estado e aumentar o acúmulo de capital que favorecia a criação de oligopólios, trustes e cartéis conectando os tentáculos da lucratividade no domínio de fatias de mercado e não mais apenas na produção, isto é, exclusivamente na exploração da força de trabalho, relativamente, cada vez mais reduzida no ramo industrial.
No plano individual a insegurança torna-se uma constante “tudo que é sólido se desmancha no ar”, a velha máxima de Marx, dotada de inspiração renovada, aguça a visão da modernidade que na interpretação de Bauman é formada de uma “textura” líquida. As coisas nos escapam à mão, tudo se (des)faz instantaneamente inclusive nossas convicções mais profundas, a tensão cotidiana é a regra enquanto “máquinas desejantes” buscamos sempre algo que não sabemos, queremos e não sabemos o que queremos, desejamos, desejamos realizações nunca realizáveis, pois na medida das contingentes realizações, elas desaparecem por serem descartáveis. [2]

[1] Cf. HARDT, M. & NEGRI, A. Império.
[2] Cf. BAUMAN, Z. Modernidade Líquida.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Guerra ou Fuga - A Modernidade Reinventada


A “máquina de guerra nômade” conquista sem ser notada e se move antes do mapa ser retificado. Quanto ao futuro, apenas o autônomo pode planejar a autonomia, organizar-se para ela, criá-la. É uma ação conduzida por esforço próprio. O primeiro passo se assemelha um satori – a constatação de que a TAZ começa com um simples ato de percepção.
Hakim Bey[1]


1. O Pós da Modernidade
Em que se diferenciam as críticas modernas e pós-modernas? Qual a justificação do pós na modernidade. Há ainda espaço na ciência social para a crítica. Muito do que foi escrito até aqui principalmente oriunda de uma reação marxista às antiteorias pós-modernas era carregado de um espírito pouco benevolente.
Tais críticas, por princípio, se baseavam no fato simples e claro, pelo menos para eles, de que a modernidade teria sido inaugurada, dentre outros fatores, pelo advento do capitalismo, como o modo de produção continuava o mesmo, segundo eles, ainda estaríamos em plena modernidade e, portanto, a maioria das definições pós-modernas era simples constatação de mudanças dentro do capitalismo na modernidade. Assim, alguns se centravam na crítica do sistema de trabalho, não sem razão, pois alguns críticos ditos pós-modernos previam, brevemente, um mundo sem trabalho. Evidentemente, havia exageros nestas constatações, já que tendiam a ver uma mudança de conjuntura como sendo estrutural. Nesse caso, o esvaziamento das indústrias e o crescimento do terceiro setor, mais as novas técnicas de produção e regime de trabalho, que foram responsáveis pela falência dos sindicatos e de núcleos de resistência antes tradicionais dos trabalhadores, já não eram mais eficazes na era da acumulação flexível. Mas isso não significava um provável fim do trabalho e sim o fim de um tipo acumulação baseada diretamente na exploração da força de trabalho. Sendo assim, não era o fim do capitalismo, mas, uma outra maneira de acumulação capitalista.
No entanto, o ponto forte dessa reação marxista era justamente a fraqueza de seus adversários. Os alvos de suas críticas eram apenas as partes visíveis do iceberg. A crítica pós-moderna, a que realmente justificava seu prefixo, soube capturar muito bem sua época, conseguiu ser realmente contemporânea de si mesma.
E por essa perspectiva, podemos ver que uma das grandes contribuições dos pós-modernos foi a crítica à noção de identidade aos a priori(s) e as unidades pré-concebidas, pré-estabelecidas. Estas se constituíram em verdadeiras demolições que deixaram em ruínas as ditas metas-teorias que buscavam apreender o real em seu todo, homogeneizando as realidades múltiplas das “diferentes diversidades” que almejavam abarcar como totalidade.
Quase sempre, para isso, o método e abordagem eram identificáveis com o objeto, o mais assustador disso é que não se tratava de uma relação de troca entre teoria e prática, mas uma adaptação, uma identificação forçada entre uma e outra que, em casos menos graves, buscavam uma apreensão progressiva da realidade que por acumulação de conhecimento seria responsável pela síntese cada vez mais próxima da realidade ou a própria realidade cada vez mais exata, e por isso, com mais possibilidade de intervenção no destino da humanidade.
Tanto iluministas quanto marxistas eram coniventes a esse arcabouço interpretativo e compartilhavam do mito do conhecimento acumulativo. À parte, todo o niilismo que germinou em meio à demolição desconstrucionista do pós-modernismo, tais críticas foram bastante eficazes para nos provocar questões que nem ao menos pensávamos em formular.

[1] BEY, Hakim. TAZ: Zona Autônoma Temporária, p. 19. Para se verificar o contágio da filosofia deleuzeana, mesmo que involuntário ou inconscientemente, para além das táticas de desaparecimento da TAZ, restrito aos limites dos ataques lingüísticos e de sabotagem das informações, cf. Revista Fórum, 58, janeiro, ano 7, 2008: “A tática de guerrilha permite às Farc controlar um território imenso da selva colombiana. Os acampamentos, por exemplo, são sempre transitórios. Raramente ficam armados num mesmo local por mais de quatro meses”.