sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Eu sem o Outro: O paradoxo de nossa sociedade



Em nossa sociedade atual temos medo de viver em autonomia. A liberdade não é mais desejada, e sim sentida como perigosa. A participação política é um fardo, uma ocupação cansativa que onera o já oneroso cotidiano do trabalho. As pessoas se fecham dentro de si mesmas, se recolhem à segurança de suas vidas privadas e privativas, ao recanto da intimidade. O outro se tornou um incômodo, um excesso que não se pode mais perder tempo com ele.

Pensar no outro é perder tempo com a própria vida, com seus próprios problemas pessoais. O altruísmo é um luxo, nos contentamos apenas em lamentar as mortes, as desgraças e infortúnios alheios que aparece aos montes na televisão e nos meios populares de imprensa. Isso é um sintoma do pouco valor que damos aos fatos alheios a nossa vidinha, pois se nos afetassem realmente, jamais conseguiríamos dormir em paz depois de assistir ao telejornal.

Ao contrário, trata-se de um anestésico que ao mesmo tempo em que nos dá a falsa impressão, aos outros e a nós mesmos, de que nos importamos com o além de mim e de que os outros se importariam comigo, também nos passa a idéia de que sentimos muito, mas não podemos fazer nada, pois nossas obrigações individuais nos tiram todo o tempo que teríamos para pensar e ajudar o outro efetivamente.

Existe em nossa contemporaneidade uma cisão entre o eu e outro, componentes do indivíduo na modernidade clássica. Vivemos o indivíduo-eu e é óbvio que isso nos impossibilita de vivermos em sociedade e ao mesmo tempo que tentamos recusá-la, fugir dessa sociedade que negamos, da necessidade do outro, da complementação do eu, refugiando em si mesmo, reivindicamos internamente, inconscientemente a alteridade do outro aquela mesma que nós mesmos negamos. Transferimos a nossa responsabilidade para outro, para o governo, para o patrão, etc. É, em suma, um beco sem saída.

Não queremos romper com a nossa rotina torturante e talvez nem podemos, pois essa mesma rotina aprisiona a imaginação para além dela, de nós mesmos. Como no mito de Ulisses que tentava libertar seus companheiros do feitiço que os transformaram em porcos e quando os mesmos ficaram sabendo que ele tinha o antídoto, fugiram todos se recusando a serem libertos do estado animal em que estavam.
Atualmente, nos recusamos a sair da caverna, pois a luz nos dá medo, nos assusta. As trevas, ao contrário do que os filmes de terror propagam, nos dá segurança e calma. Sem a luz para nos mostrar o que nos assusta não podemos nos assustar. É como na casa do terror de qualquer parque de diversão, sem a luz não podemos ver as caveiras, os vampiros é só com a luz que podemos gritar de medo. Se não podemos enxergar, logo não podemos decidir, nem opinar e nem andarmos por conta própria. A desresponsabilização é um porto seguro que embora não nos traga aventuras também não nos traz riscos. Preferimos nos submeter aos erros cotidianos de vidas sem sentido a termos a responsabilidade de impormos a nós o nosso próprio sentido.

O aluno com medo de aprender se esconde em sua ignorância. É como se a vergonha de cair da bicicleta fosse tão terrível a ponto de preferir nem tentar aprender a andar de bicicleta. Por isso, o videogame é o brinquedo da nossa época, porque só socializamos o jogo quando já o dominamos, não há a vergonha dos erros, pois não se compartilha o jogo antes de aprendê-lo na solidão. A interação, se é que podemos chamar dessa forma, a relação entre menino e a máquina é passiva, sem comentários, sem críticas alheias. Os jovens de hoje não estão preparados para crítica, toda contrariedade é tida como ofensa ou maledicência, por isso, mais do que antes se refugiam em hábitos fabricados pela mídia ou pelos produtores de comportamentos do momento. Nada é mais seguro do que fazer o que todos fazem.

É por isso também que a customização é uma marca de nosso tempo, ao mesmo tempo, em que imitamos os produtores de comportamento adaptamos a nossa individualidade, aquilo que é só nosso, ou que achamos que seja, pois a customização também se massifica, pois é, por outro lado, a retroalimentação do mercado, o aproveitamento de seus dejetos para novos fins, é a multiplicação dos pães das mercadorias, é a reprodução infinita dos mesmos por meio da mudança de detalhes que pouco os diferenciam, um corte aqui outro acolá, um descosturado na coxa outro no joelho e assim a mesmice e a uniformidade é reproduzida como se não fosse o mesmo e nem o uniformemente igual.
A beleza, hoje em dia, está na ignorância, no não-saber.
A liberdade é poder fazer igual aos outros.
A paz é não ser importunado por problemas alheios.

Um comentário:

Thiago e Fernanda disse...

Adonile,


Venho por desse comentário lhe felicitar por essas linhas que levam qualquer um a refletir sobre o sentido da liberdade para o homem (pós) moderno.Não sei se você leu " O Medo a Liberdade" do Erich Fromm, mas, de qualquer jeito as suas colocações me parecem bastante próximas das dele. No referido livro, Fromm nos fala que na modernidade, o homem teria rompido com a autoridade e conseguido atingir a liberdade, porém, uma vez de posse desta ele a teria recusado, pois ela implicaria em um fardo por demais pesado, só que a segurança que ele teria vivenciado quando ainda estava sob a tutela daquela autoridade só poderia ser atingida novamente se ele se submetesse a ela uma outra vez. Dai o surgimento de autoridades irracionais personificadas pelos regimes políticos totalitários que surgiram no século XX e que podem surgir novamente no século XXI.
Mas, o que é interessante notar é que o Fromm não chega a uma conclusão totalmente pessimista, ele acreditava que ainda existiam alternativas, onde o homem poderia atingir a liberdade.
E você, na condição de um libertário, concorda com Fromm? Você acredita que existem saídas?

Abraços libertários!

Thiago Lemos Silva