terça-feira, 3 de junho de 2008

Militantes e Organizações - Inter/Relações, Pluralidades e unidade

O estudo das diversas e diferentes organizações que compuseram o que, mais amplamente, chamaremos de socialismo revolucionário brasileiro nos impõe um problema de apreensão histórica inicial: como traçar os caminhos e des/caminhos, as continuidades e descontinuidades dos grupos formados pelos militantes que fizeram a história do movimento operário brasileiro, em especial, o dos primeiros anos da República?

Como captar historicamente grupos fugazes de breve duração, que se refizeram várias e várias vezes, que mudaram o programa, reformularam as práticas em torno de jornais operários e folhetins, mudaram de estratégias, táticas; ora estavam no ataque, em meio ao povo, em greves, boicotes, congressos como militantes eufóricos enxergando a revolução social cada vez mais próxima; ora estavam na clandestinidade, escondidos, fugindo da censura, da repressão, da perseguição da polícia política, fechando jornais, abortando números, condenando a apatia dos trabalhadores, como uma minoria de lutadores frustrados, na defensiva, buscando e cedendo a outras alternativas de conquistar a adesão como piqueniques, operetas, teatros; em outras vezes estavam alegres construindo escolas modernas, modelos de educação para a sociedade que almejavam; noutra ocasião estavam furiosos e moralizadores, combatendo a prática desportiva do futebol, o tabagismo, o alcoolismo, os bailes... todas as formas de diversões degeneradamente burguesas como, em geral, justificavam.

Como controlar a ânsia de nomear, que é sem dúvida uma das necessidades do ofício do historiador, como é a de designar, de enquadrar as ações desses grupos militantes em periodizações, em continuidades históricas, algumas vezes forçadas, escondendo ou dissimulando a falta de documentação, de ligação dos fatos dispersos e incoerentes. Como evitar a caracterização, as generalizações, por outro lado, como manter o sentido de dar uma explicação coerente à pesquisa sem denominar uns de anarquistas outros de socialistas pelegos, mas depois ver que entre os anarquistas havia dissidências, falta de consensos, mais pluralidades que unidade, em muitos momentos, sindicalistas revolucionários em organizações aparentemente, ou hegemonicamente, anarcossindicalistas ou anarco-comunistas, como escapar a tentação de escrever que Neno Vasco fora um anarco-comunista, embora, defendesse o anarcossindicalismo ou o inverso que fora um anarcossindicalista que estava entre os anarco-comunistas como Gigi Damiani.

Como explicar sem caracterizar ou como não caracterizar explicando? Eis o dilema que nos toca fundo. Para se entender a força do movimento operário brasileiro na Primeira República seria absolutamente necessário tentar descrever as ações dos principais militantes dentro das modalidades dos anarquismos. Neno Vasco perderia sua importância, se fosse ou não anarco-comunista?, provavelmente não, mas que historiador de posse de provas mesmo que parciais poderia se furtar a tal afirmação, por assim dizer, uma descrição mais específica, mais exata.

Mas creio que o problema está em outro lugar, em dizer e reforçar que o homem, no caso o militante, não é em si uma unidade, um indivisível, o indivíduo em sua acepção é a parte indivisível da sociedade, mas é atravessado por diversos e diferentes discursos em períodos e durações distintas que o faz ir e vir, ser e não-ser, ter e não-ter, fazer e não-fazer, às vezes ao mesmo tempo, involuntariamente ou por razões que o pesquisador histórico jamais terá como saber, subjetividades que se perderam no tempo, que não foram compartilhadas com outros, papéis, documentos de todo tipo... o que chamamos indivíduo, militante, são muitos em um só, ora contraditórios, ora assimiláveis ou relacionáveis, equivalentes...
Quando se trata de grupos o problema se complexifica, pois o grupo é uma unidade, mas muitos se constituíram unidades plurais ou pluralidades unitárias, grupos dentro de grupos que compunham organizações diversas, que tinham ligações com outras organizações diferentes, que se criticavam mutuamente, como também se confraternizavam mutuamente, que se cindiam sem aviso prévio ou sem marcas da cisão seja em jornais ou outros documentos de época.
Enfim a decodificação das ações dos militantes e organizações, a tradução/recriação por outros meios de suas práticas e idéias, dos princípios, das divergências, das contradições para o formato de um trabalho acadêmico, às vezes pode sofrer alterações e distorções que chegam ou beiram ao absurdo, mas esse é o risco do ofício dificílimo de tentar esclarecer o que não existe mais enquanto vida, mas enquanto possibilidade de memória, de rememorização, como um domínio da história e de seus manipuladores, nós, os historiadores.

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