sábado, 9 de agosto de 2008

Política – continuação da guerra por outros meios


Tentaremos nesse estudo demarcar as fronteiras do nosso tema. O primeiro obstáculo é delimitar o horizonte histórico das regras que o fez emergir e das condições que o permitiu existir. Mas só isso não basta, devemos demarcar as leis que o fizeram existir e permanecer em sua especificidade. Definir isso é sempre um pouco problemático para não dizer arbitrário.
Nosso problema principal se situa naquilo que Foucault chamou de regras da formação discursiva. E consiste em se tentar localizar a:

... dispersão que caracteriza um tipo de discurso e que define, entre os conceitos, formas de dedução, de derivação, de coerência, e também de incompatibilidade, de entrecruzamento, de substituição, de exclusão, de alteração recíproca de deslocamento etc. [1]

Há vários aspectos que se pode constituir em objetos de abordagem do tema da ação direta. Pode-se inicialmente localizá-la no âmbito da longa história e vê-la surgir no contexto das revoltas contra os poderes instituídos. Nesse ponto, Foucault também tem muito a nos dizer, em seus últimos estudos, quando tentava delinear seu novo campo de pesquisa, a biopolítica e os mecanismos de repressão, ele nos propõe a emergência de um discurso que impunha à política um outro modelo de concepção e de análise que, por isso se contrapunha ao outro modelo da política como uma relação de poder contratual que se consagrou nos escritos dos filósofos do século XVIII. Há nesse sentido, segundo Foucault:

... dois grandes sistemas de análise de poder. Um, que seria o velho sistema que vocês encontram nos filósofos do século XVIII, se articulariam em torno do poder como direito original que se cede, constitutivo da soberania, e tendo o contrato como matriz do poder político. E haveria o risco de esse poder assim constituído, quando ultrapassa a si mesmo, ou seja, quando vai além dos próprios termos do contrato, tornar-se opressão. Poder-contrato, tendo como limite, ou melhor, como ultrapassagem do limite, a opressão. E vocês teriam outro sistema que tentaria, pelo contrário, analisar o poder político não mais de acordo com o esquema contrato-opressão. E, nesse momento, a repressão não é o que era a opressão em relação ao contrato, ou seja, um abuso, mas, ao contrário, o simples efeito e o simples prosseguimento de uma relação de dominação. A repressão nada mais seria que o emprego, no interior dessa pseudopaz solapada por uma guerra contínua, de uma relação de força perpétua. Portanto, dois esquemas de análise do poder: o esquema contrato-opressão, que é, se vocês preferirem, o esquema jurídico, e o esquema guerra-repressão, ou dominação-repressão, no qual a oposição pertinente não é a do legítimo e do ilegítimo, como no esquema precedente, mas a oposição entre luta e submissão. [2]

Para que fique bem entendido, esses dois esquemas citados por Foucault, existem hoje em dia e desde, mais ou menos o século XVI, segundo a localização de Foucault, aparece o outro discurso que se impõe ao esquema jurídico, o que mais anteriormente, era representado pela história da soberania, que desde os romanos, tematizava sobre os grandes soberanos e sua função era o de justificar e consolidar o poder instituído. Já esse outro discurso, vem romper com essa função da história, vem mostrar que a política é a continuação da guerra por outros meios como no aforismo de Clausewitz, que a política é a imposição de uma dominação, com justificativas legais que escondem ou tentam ocultar seus dispositivos de repressão.

Assim, podemos localizar o discurso que culminou com o conceito de ação direta, o seu objetos original: “a luta entre as raças”, que mais a frente tornar-se-á o da “luta entre as classes” colocado por esse novo modelo de análise e concepção da política, que é denominado por Foucault como sendo o modelo da guerra.

Isso, porém, nos causa um incômodo irreparável, pois o termo escrito que já traz em si uma primeira delimitação, que se restringe ao seu aparecimento original, mais ou menos localizado por nós entre 1890 e 1906, é bastante recente para vermos como uma continuidade entre os objetos dos primeiros discursos revolucionários e os do final do século XIX e início do XX.

Se não bastasse esse incômodo provocado pela sua aparição recente, percebe-se que as regras que condicionaram, os objetos aos quais se referenciaram, as modalidades dos enunciados, enfim, as condições de existência dos discursos revolucionários foram outras e tiveram variação, que por sua vez, marcam as diferenças de ritmos, de formas e conteúdo de suas histórias.

Por outro lado, se restringimos muito o momento histórico e o local de sua aparição, se o restringimos aos referentes de discurso próprio de uma classe, de uma tendência de luta, poderemos cercear a possível gama de objetos que o termo ação direta pôde se referenciar e que ainda pode.

Assim, reivindicaremos o modelo da guerra para análise política da ação direta, para vermos não como uma oposição ou uma recusa à política, mas como resistência e luta contra um tipo de política que consolidou sua soberania enquanto poder e saber desde o século XVIII, e mais recentemente, nos impõe essa tirania de um sistema único composto pelo capitalismo e pela democracia liberal.

[1] FOUCAULT. A Arqueologia do Saber. p. 66.
[2] FOUCAULT. Em Defesa da Sociedade. p. 24.

2 comentários:

ODEMAR LEOTTI disse...

ótimo texto. gostei pois estou trabalhando nesse sentido para entender o Estado Brasileiro em suas origens. abraços do Odemar.

Adonile disse...

Obrigado Odemar Leotti. Esse texto constitui um excerto da minha dissertação de mestrado que pretendo defender até em agosto/2009, se você tiver alguns textos nessa linha e quiser compartilhar é só me enviar por e-mail em pdf e, além de ler, poderei, se você quiser e autorizar, publicá-lo no blog. Pretendo fazer deste blog, além de uma página pessoal, um canal de debates. Fica aqui o convite... Abraços!