sábado, 16 de janeiro de 2010

A falta e o desejo nas filosofias de Sartre e Deleuze



Em "O Ser e o Nada" Sartre escreve: "O homem é o ser pelo qual o nada vem ao mundo". É do ser para-si que surge o nada, a negação vem ao mundo pelo ser, pois o em-si é pura positividade, é o que é, ao contrário, o ser é o que não é e não é o que é. Noutra parte, Sartre fala que "de todas as negações internas, a que penetra mais profundamente no ser e constitui em seu ser o ser ao qual nega, juntamente com o ser negado, é a falta de." Esta é a parte da filosofia sartriana que gerou mais críticas, pelo menos, por parte dos novos grandes filósofos franceses do século XX (para não me referir a eles de pós-modernos, termo pouco preciso que carrega muitos estereótipos e pouco esclarecimento) refiro-me principalmente, a Foucault e a Deleuze.


Sartre define o homem pelo princípio da falta, ou melhor, pela condição da falta, o homem em comunidade se faz enquanto homem e sociedade humana a partir da superação da sua condição de escassez (analogamente falando), assim por meio da associação de forças, se faz homem e sociedade humana na medida em que supera o estado de escassez e passa a criar as condições da realidade humana. O homem torna-se homem porque se faz homem e se faz porque supera seu estado "original" de escassez. Mas, só é escassez para o homem, pois é à realidade humana que surge a escassez que pode pôr fim à sua existência; dito de outra maneira, é para o modo de ser do homem que surge a escassez. Marx diria que foi o trabalho que fez o homem como tal. Sartre não rejeita esta tese apenas complementa, ou melhor, diz que a relação fundamental não é a relação de produção, antes disso, o que faz do homem um homem é a relação com outros homens, os mesmos dele, a união, a associação entre homens para superar suas adversidades.


Deleuze juntamente com Guattari, em sua obra fundamental, O Anti-Édipo, contesta o princípio da falta, ou esta condição primordial que faz do homem um homem. Para Deleuze o princípio humano criador é o desejo, para ele o desejo produz o real, este "é o resultado das sínteses passivas do desejo". Para Deleuze, "ao desejo não falta nada". Antes da falta, nessa perspectiva, é o desejo que cria e não, ao contrário, como diria Sartre, a superação da falta. Evidentemente, o problema do desejo não é colocado por Deleuze na perspectiva de uma fenomenologia ontológica como o é por Sartre. Assim, para Deleuze, não está em jogo a descrição das modalidades do ser, mas apenas a divergência de princípios que nortearam sua filosofia.


O que vou destacar aqui de passagem, pois o espaço do blog não permite aprofundamento necessário, é certa leitura despreocupada ou apressada sobre a perspectiva sartriana da falta, a falta não é o princípio gerador da realidade humana e, por assim dizer, do homem. É do ser que surge o nada, sendo uma de suas negações internas, a falta. Sendo assim, a falta só vem ao homem porque ele é uma para-si, ele nega a si mesmo e a sua realidade, ele cria a falta, suas necessidades, analogamente, produz a escassez, como é o caso do capitalismo (um tipo de escassez produzida); é assim que produz e cria sua própria existência.


Talvez tanto Sartre quanto Deleuze estivessem falando as mesmas coisas de forma diferentes. Talvez... só talvez!

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