Já se disse
coisas muito belas sobre o amor. Desde o apóstolo Paulo, passando por Camões
até culminar, pasmem, nos lacrimosos românticos repletos de imagens bucólicas,
de nações imemoriais até as noções ingênuas de bons selvagens e paraísos
terrestres fundados no amor natural (a ingenuidade foi também uma grande tática
política).
Mas, pouco se
disse, ou pelo menos, não o suficiente sobre o aspecto estratégico do amor como
sujeição do ser em si em função do outro. Do amor como circuito controlado da
liberdade, esta vertente do amor, está cada vez mais olvidada na história.
O amor por esta
outra perspectiva é um regime que amortece e canaliza os desejos. O amor pode
ser assim, um mecanismo hábil de dominação e sujeição dos potenciais do
indivíduo enquanto ser livre e autodeterminante.
O reino do amor
é um governo despótico que controla o indivíduo em função do outro, a soberania
invisível que impõe uma vontade externa impedindo o indivíduo de ser autônomo,
de pensar e agir por si mesmo. Pois que outra coisa é o amor que não a
escravidão voluntária, de se sujeitar a outrem por querer próprio?
Até Camões,
embora numa perspectiva positiva, sabia disso ao cantar o amor como uma prisão
pela própria vontade. O amor é a prisão invisível que criamos para prender
nossos sentimentos mais verdadeiros, porém, incômodos à sociedade. O amor é o
constrangimento repressor de nossos desejos mais íntimos, mais naturais e mais
autônomos.
Já dizia Freud que para haver sociedade, pelo menos como a
conhecemos, é preciso erigir uma barreira, uma represa que bloqueei nossos
desejos. Os traumas daí oriundos deveriam ser tratados com encanamentos que
dessem aos desejos uma vazão suave impedindo que se rompesse a barragem, mas
esta jamais deveria ser destruída ou teríamos o comprometimento da própria
instituição social.
A Igreja
católica foi talvez a grande educadora moral do ocidente, porque soube usar,
como nenhuma outra instituição, a empatia estrategicamente criada pelo amor
para impor sua dominação à sociedade. Foi a Igreja que soube como ninguém
confundir o amor a Deus e ao próximo com o amor ao governante, quem mais
encarnava o outro indeterminado, responsável por
canalizar as espontaneidades humanas nos leitos calmos da moralidade.
Contra isso,
Max Stirner enunciava o seu ideal de homem egoísta como autônomo e
autodeterminante que recusava quaisquer modos de sujeição externa. Amar para
Stirner, era aceitar os mandamentos do outro, era, em último caso, se sujeitar
a vontade do outro, nada mais longe da liberdade, segundo este que foi um dos
maiores filósofos, marginal é verdade, da tradição filosófica alemã. Marginal
porque marca uma ruptura com esta mesma tradição.
Maquiavel sabia
que o amor também era um mecanismo de consolidação e manutenção da soberania do
príncipe, embora, se fosse para escolher, ele teria preferido o temor ao amor.
Isso não porque o amor não era uma estratégia eficaz de obtenção e manutenção
do poder, e sim devido às circunstâncias particulares em que o amor não seria
sustentável.
O amor é em
suma um verdadeiro ódio à liberdade. Ser livre, portanto, é recusar o amor ao
outro. Numa situação limite o amor é uma auto-prisão que os indivíduos se
impõem a si mesmo. Em suma, não é um bem, é um mal para a humanidade, para os
homens e mulheres, para a sociedade enfim, pois aprisionam os eus nas vontades dos outros.
Que melhor
maneira de impor sua vontade ao outro do que fazê-lo o amar?
Muitos dirão que eu não sei o que é o
amor, mas contra estes antecipadamente digo: o que a maioria define como amor
nunca existiu de verdade. O conceito de amor que cito este sim tem proximidade com
o real, está presente em nosso cotidiano e é o contrário do sonho de amor que
todos almejam ter, mas que, sinceramente?, ninguém tem.
(Então se você
quer bem ao outro, à sociedade, à sua família à sua companheira ou companheiro,
não o ame, queira o bem, faça-lhe o bem e, portanto, não o ame e nem deixe que
o ame).