domingo, 13 de fevereiro de 2011

Coitadinha da Lucinha




Henrique sempre quis ter uma mulher como Lucinha, bonita, inteligente, gostosa. Além de todas essas qualidades, ela aceitou ser uma simples dona de casa, a sua dona de casa, pensava Henrique. Todos o admiravam , “que homem sortudo”, diziam. Mas, mal sabia ele que tanta glória não ficaria isenta, Deus também cobra impostos, o de Henrique foi pesado: Lucinha não gostava de sexo, não gostava de beijar, um abraço demorado já lhe fazia ter ânsia de vômito, coitada, coitadinha.

Henrique descobrira essa taxa divina muito tarde, já quando estava casado. Lucinha também, nem ela sabia que seu comportamento excessivamente recatado era uma repulsa patológica, ou melhor, alergia. Alergia a sexo, disse um especialista, o Doutor Bulhões. Algo muito raro, tão raro que o Doutor Bulhões ficara famoso com a descoberta e Lucinha, anonimamente se tornara uma celebridade, uma espécime para estudo.

Não tinha jeito, Henrique aceitara seu fardo, sabia que a alíquota era excessiva, mas afinal, Lucinha era linda, inteligente, gostosa, mesmo sem prová-la, era gostosa, todos diziam, isso também importava. Assim, cresceu-lhe um sentimento paterno dele para ela. Ele a via como uma pessoa especial, que demandava cuidados, Lucinha, por outro lado, sabendo de seu raro problema de saúde, fazia vistas grossas às esporádicas escapadinhas do marido e aos banhos demorados, contanto que ele não se esquecesse de sua alergia, sabe como é, homem é tudo igual, vive se achando e quer sempre ter certeza, então de vez em quando, Henrique dizia a Lucinha: Vamos tentar?, quem sabe, a alergia é passageira e você já está curada? Aí era só Lucinha consentir, que Henrique mal tocava seu lábio no dela, e o vômito era certo.

Qual não foi a surpresa, quando Henrique voltou mais cedo do trabalho (a repartição fechou por causa da morte do seu Malaquias), e se deparou com um carro obstruindo a garage, teve que deixar o carro na rua, ele então ia apertar o interfone, mas se lembrou que Lucinha gostava de dormir até às 10, e ainda eram 9. Então sacou a chave do bolso e abriu o portão. Já no meio da garage percebeu uns grunhidos, era Lucinha sob o Doutor Bulhões rebolando com desenvoltura.

Henrique sentiu uma mistura de espanto e tesão, se conteve, saiu de casa sem ser percebido. Hoje ele sabe que Lucinha tem alergia sim, mas alergia dele. De todas as mulheres do mundo, fora se casar com uma que era alérgica a ele. Fazer o quê? Ela ainda assim, era bonita, inteligente, gostosa, além do mais, que azar de Lucinha, perfeita, mas com aquela doença rara, pensou ele voltando a repartição. Lembrou que tinha uns relatórios para conferir, ia aproveitar o silêncio da repartição que estava vazia por causa do luto, para adiantar o serviço, o seu Malaquias havia de perdoa-lo por trabalhar no dia da sua morte e, além do mais, assim dava tempo de Lucinha preparar o seu almoço, ah que mão que ela tinha, que mulher; bonita, inteligente, gostosa, o único defeito era aquela alergia, coitadinha, era sua sina. Coitadinha da Lucinha!

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