domingo, 23 de março de 2008

ROTEIRO DE UMA PESQUISA: AÇÃO DIRETA COMO MÁQUINA DE GUERRA NÔMADE

4. A Anarquia: máquina de guerra nômade


Não nos resta dúvida de que os anarquistas só merecem tal denominação, pelo menos na modernidade, quando se opõem politicamente ao Estado burguês e defendem uma destruição, sem concessões, a tal estrutura social. Mas para chamarmos alguém de anarquista de uma maneira mais rigorosa tal definição não basta. Para isso, temos de lançar mão de conceitos como ação direta, autogestão, e outros que nos colocarão diferenciações de toda ordem nos forçando à imprecisão necessária da denominação: anarquismos. Contudo, apesar das diferenciações e com o risco de cairmos em generalizações prejudiciais ao nosso intento, a maioria dos estudiosos do tema ficaria satisfeita se disséssemos que a ação direta e a autogestão são conceitos determinantes para a maioria dos movimentos e teorias que compreendem as diferentes aparições dos anarquismos.

Tendo colocado nosso ponto de observação e nosso alvo, resta-nos problematizá-los e denunciar suas fraquezas. Em primeiro lugar, se impõe algumas perguntas: qual a relevância de se relacionar uma teoria política pós-moderna com uma tendência anarco-comunista que valorizava em seus discursos a questão da organização? Qual a vantagem de se dizer, afinal, que a estratégia da ação direta encontra correspondência com as teorizações da máquina de guerra nômade? E afinal, tendo isso posto, restaria algo importante na idéia de ação direta anarquista depois de se constatar que os anarquistas cometeram o mesmo erro de tantos outros socialismos?

E por que não dizer, o erro de tantas outras religiões populares: o de criar uma sociedade perfeita original, o de identificar o demônio e também o de desejar um paraíso terrestre? Os socialismos por esse anglo formam uma espécie de religião sem Deus, ou pelo menos, sem a encarnação do bem, pois o bem supremo, para os mais diferentes socialismos é identificável em todas as suas manifestações.

É inegável e ainda insuperável para muitos grupos de esquerda a verdade traumática lançada por Nietzsche, a de que o socialismo fazia parte da moral dos fracos e que era fruto de um ressentimento ocidental. Não queremos, evidentemente, entrar no mérito da questão e nem poderíamos, mas na situação em que nos encontramos frente aos problemas da nossa temática é impossível desconsiderar essa crítica contundente aos socialismos.

Por outro lado, o mito da greve geral e da violência revolucionária só encontra sustentação numa reelaboração de Nietzsche, ou pelo menos, levando em conta suas idéias. Nesse sentido, a ação direta libertária e a autogestão pressupõem um autogoverno politicamente anti-opressor, mas psiquicamente também, exige um superego imponente. Sendo assim, a ação direta só é possível e digna de se estudada, descrita e discutida quando consideramos também as contribuições da psicanálise e das anti-teorias pós-modernas.

Como então, pensavam os anarquistas comunistas, em criar um futuro ou mesmo numa visão mais imediata, preparar a mudança para uma sociedade, ao mesmo tempo, libertária e organizada, ordenada e sem hierarquia, autogovernada e sem egoísmos, enfim, livre e igualitária? Quais eram seus recursos práticos e teóricos para pensar e implementar tal projeto de sociedade. Quais os suportes e aportes para a estratégia da ação direta tendo em vista que nem mesmo o mais passional dos sonhos pode sobreviver a tantas desilusões sem se tornar um pesadelo ou um fardo que pode contagiar de apatia a ação e ainda assim manter o entusiasmo que sempre foi característico dos grupos anarquistas.

A crença em uma sociedade autogerida e na preparação de uma revolução sem comando não poderia ser superficial, pois se fosse jamais poderia perdurar até os dias atuais mesmo que, como dissemos acima, mascarada numa pesquisa científica, pois, mais cedo ou mais tarde, demonstraria suas características diletantes e pernósticas.

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