quinta-feira, 28 de julho de 2011

Crônica e vídeo: a Telê Santana, quem melhor sintetizou a arte e o futebol




Em menino eu vi, em homem eu me recordo...

O menino é o pai do homem
Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas

Em 1982 eu estava com 6 anos incompletos, sabia de cor a escalação da seleção brasileira, morava com meus avós numa casa enorme em Quirinópolis, Goiás, cujo número era 82. Esta cena sempre esteve em minha memória.

Lembro também da casa cheia de gente assistindo aos jogos da Seleção na Copa da Espanha. Eu no alpendre (vá explicar o que é isso para um menino hoje) chutando uma bola de meia (não que não tivesse bola, mas é que a de meia não fazia barulho e não atrapalhava os torcedores da sala...) enquanto meu tio e seus convidados assistiam aos jogos. 

Nunca entendi certo dia, quando todos saíram tristes sem ao menos quase se despedir de mim, do Juninho, e nunca mais voltaram... Logo depois daquela algazarra que fizeram 2 ou 3 dias antes, quando venceram um time de listras azuis e brancas, em que um baixinho cabeludo saiu chorando (hoje em dia eu sei, era simplesmente... Maradona o mais que Pelé, para os argentinos) para logo depois Zico e companhia continuar o show, que fechou com um gol do meu xará: Junior que até dançou uma dança que para mim soava estranha, embora, quando eu perguntei, me falaram que era samba, dança típica do Brasil, eu pensei: que estranho já ouvi falar, mas nunca tinha visto

(Hoje eu sei que a indústria cultural tenta homogeneizar certas manifestações culturais locais para o resto do país, a tal construção da identidade nacional, tão útil para a consolidação dos poderes instituídos, principalmente, para uma Ditadura que já naquele tempo, visto de hoje é claro, dava seus últimos suspiros).

Hoje eu também sei que aquela cena que guardo alguns fragmentos em minha memória, e que muitos só foram tornar-se inteligíveis anos depois, era nada mais nada menos que a nossa segunda maior tragédia cultural (pois para o bem o para o mal, o futebol é nossa maior expressão cultural), a primeira foi, sem dúvida a do maracanazo de 1950. Esta, a que me recordo, tratava-se da fatídica tarde no Sarriá em que a seleção de Telê perdeu para Itália de Paolo Rossi.

Depois disso, tantas águas rolaram, [quantas mulheres] (nem tanto assim, eu confesso) me amaram bem mais e melhor que você (será?), mas aquela seleção ficou marcada como a última representante do futebol arte que sucumbiu diante do pragmatismo e da força do futebol cientifico e europeu, representado pela Itália.

Isso, já na década de 80, não era nem um pouco novo, 1954 quando a Seleção perdeu para Hungria, era a mesma ladainha. Como às vésperas, 1958, de jogar com a URSS, já se dizia isso também. Mas acontece que em 1982, já havia aparecido Pelé e Garrincha, já éramos tri campeão mundiais, já não éramos, segundo Nelson Rodrigues, vira-latas.

O que se viu por décadas a fio, foi aquele velho debate, que de tão recorrente se tornou maçante, entre os defensores do futebol arte contra os do futebol moderno, eficiente. Felizmente, acho que superamos isso.

Felizmente, porque a questão era quase sempre colocada de forma equivocada. Não há uma clara distinção entre arte e eficiência, a arte pode ser eficiente aos objetivos a que se colocou ou também aos que não se colocou, pois a manifestação artística não termina com a pincelada final do artista, e sim com a recepção do público, dos consumidores, com a impressão causada a estes... aliás, a arte nunca termina, ela perdura, o perdurar é uma característica de qualquer arte, mesma a da nossa época de reprodutibilidade técnica, que perdeu a sua áurea na lama do capitalismo.

Por outro lado, a arte perdura independente de seu sucesso, seja ele comercial ou profissional (que dá no mesmo hoje em dia). Aquela seleção representa o Brasil, representa o Brasil exatamente porque perdeu. Se tivesse ganhado entraria para hall da fama das conquistas brasileiras, perderia sua áurea, embora não deixaria de ser arte. Para mim está claro, a arte não é só virtuose, nesse quesito as seleções de 1958, com Pelé, Garrincha e Cia. e a de 1970, com Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Gérson... estariam até mesmo, em melhor posição que a de 1982, esta, porém, é mais representativa dos muitos sentimentos compartilhados por nós brasileiros. E isto é também arte: um fragmento que expressa um todo de forma clarividente e especial.

Sou capaz de apostar: se o Brasil fosse campeão mundial em 1982 (claro né, ninguém conseguiria ganhar esta aposta), aquela seleção não seria tão cultuada, como é hoje. Quando falamos de futebol bem jogado, eticamente bem jogado vemos Telê, Zico, Sócrates, Falcão e companhia, que não renunciou ao seu estilo em troca de uma simples vitória (que como a de 1970 seria usada para fins escusos, quem sabe até daria uma sobrevida a Ditadura, que já estava, como sabemos hoje, na UTI; até dessa lama a Seleção de 1982 escapou). 

Tudo bem, muito bonito, mas o Brasil não ganhou a Copa. Que se dane! Azar da Copa, diria Calazans.

Esta frase sintetiza perfeitamente a minha recordação pueril que embala meu sentimento, que por sua vez, me faz rejeitar as racionalidades pragmáticas dos futebolismos atuais. 

Mas, melhor do que este singelo texto são as cenas, e a narrativa final de Luciano do Valle no vídeo acima.
E tantas lágrimas rolaram, quantas...

2 comentários:

Elias Quintão disse...

É nessa época a seleção tinha o verdadeiro futebol arte, agora só ta na vergonha! hehe

Meu blog:
http://eliasquintao.blogspot.com/

Clio & Dionísio disse...

Se a questão é colocar a arte em primeiro plano, meu amigo, foi bom, como você disse, não termos ganhado aquela Copa mesmo. A Arte, quando distante, ao alcance do éter (segundo os pré-socráticos) fica mais bela assim... numa constelação distante, mas cheia de estrelas ainda vivas, bem ao alcance das mãos!! Constelação Distante... Estrelas Próximas...